A partir desse cenário, uma transformação no mercado do livro é esperada
O Brasil teve o mercado editorial com saldo positivo em 2019, atingindo R$ 5,67 bilhões em faturamento. Constatado através da pesquisa Produção e Vendas no Setor Editorial Brasileiro, feita em 2019 pela Nielsen Book e coordenada pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) e Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), o saldo é 10,7% superior àquele alcançado em 2018 e equivale a um aumento real de 6,1%, considerada a variação do IPCA de 4,31% no período.
Porém, o mesmo estudo identificou uma mudança no comportamento do mercado. A partir da coleta do posicionamento de 167 editoras nacionais sobre o setor brasileiro, a análise teve constatado que a participação das livrarias exclusivamente virtuais na venda dos livros comercializados no país subiu de 3,4% em 2018 para 12,7% em 2019.
A Editora Belas Letras, por exemplo, concentra a maior parte de suas vendas no ambiente digital. Segundo o editor da empresa, Gustavo Guertler, mais de 70% dos livros são vendidos pela internet. “Como temos uma cultura digital forte na empresa, os canais digitais têm maior predominância pra nós”, comenta. Porém, o aumento da participação virtual na venda dos livros não foi a única mudança sofrida pelo mercado editorial.
Desde 2018, o mercado do livro tem observado o desligamento de importantes redes livreiras. No mesmo ano, a Fnac encerrou as atividades de suas lojas restantes e passou o comando da empresa para a Livraria Cultura, que no mesmo período entrou com pedido de recuperação judicial. Dois anos mais tarde, já em 2020, a justiça negou pedido da rede para mudar o plano e pode fazer com que a companhia entre em falência.
Outra importante rede que entrou com pedido de recuperação judicial foi a também editora Saraiva. Já em 2019, a livraria estava com dificuldades financeiras e, com a chegada de 2020 e a crise causada pela pandemia do coronavírus, a rede teve de fechar 75 lojas.
Não apenas a Saraiva foi negativamente surpreendida pela pandemia. A rede de livrarias Leitura teve, em 2020, uma queda de 25% no seu faturamento, apesar de ter o objetivo de fechar o ano com 79 lojas e a previsão de chegar em 2021 com um número de filiais próximo a 90.
Apesar da ampliação da participação online na venda de livros, do fechamento e crises econômicas enfrentadas por grandes redes, a inexistência de livrarias físicas é improvável pelo papel que ainda exerce no setor. “Pelo menos do nosso lado, olhando a indústria e o varejo, achamos difícil que as livrarias físicas deixem de existir. Afinal, elas ainda são muito participativas na venda dos livros”, comenta o presidente da Associação Brasileira dos Editores de Livros Escolares (Abrelivros), Ângelo Xavier. “Sem elas, ocorrerá o escoamento dos produtos!”, destaca.
De fato, as livrarias físicas são importantes na venda dos livros. Apesar de a pesquisa Produção e Vendas no Setor Editorial Brasileiro ter identificado uma queda de 17,62% na participação das livrarias físicas no comércio do produto entre 2018 e 2019, esse tipo de loja ainda corresponde a 41,6% do total de títulos vendidos pelo setor editorial brasileiro.
Por outro lado, o prejuízo no fechamento das livrarias físicas pode não ser latente para a literatura nacional se esse tipo de loja for referido como entidade cultural, mas será pela questão da representatividade. “É de salientar que esse fechamento é muito triste pelo que representa e porque nossas cidades são, em geral, carentes de espaços de cultura”, ressalta o escritor e professor de comunicação da Universidade Fernando Pessoa, de Portugal, Renato Essenfelder.
No âmbito dos negócios, a inexistência de livrarias físicas pode, também, afetar aquilo que é chamado de venda por impulso. Esse tipo de situação ocorre quando a pessoa frequenta o ambiente sem a intenção de compra, mas ao caminhar pelo local acaba se interessando por algo e o adquirindo em seguida.
Por essa razão, o fechamento de livrarias nunca é bom para o mercado. Afinal, de acordo com o presidente da rede de livrarias Leitura, Marcus Teles, um mercado com menos players implica em menos livros impressos, pois não tem para onde as editoras exporem suas publicações inéditas. “Isso consequentemente gera um enfraquecimento do mercado já que podemos ter menos vendas e lançamentos”, alerta.
O que está sendo observado, portanto, é a diminuição das megarredes e o início de uma nova tendência, que é calcada no consumo e no convívio com livrarias menores e de bairro. Segundo Essenfelder, muitos autores já até fazem seus lançamentos fora do circuito das megastores e é provável que essa propensão prossiga com divulgações em livrarias pequenas, bares e espaços culturais variados.
Apesar de a tendência levantada ainda preservar a presença de livrarias menores, como Travessa e Livraria da Vila, o que se torna passível de mudança é o contato entre autor e público. Esse relacionamento cada vez mais acontece via redes sociais.
Com relacionamento mediante o ambiente virtual ou não, o importante é notar que a existência de livrarias físicas não está chegando ao fim pelo fato de que esses ambientes ainda são importantes para a estrutura e manutenção da literatura nacional. Por isso, explorar o ambiente é o diferencial. “Acredito muito que as livrarias que vão sobreviver serão as que conseguirem se tornar uma espécie de ponto turístico da cidade onde estão”, avalia o editor da Editora Belas Letras, Gustavo Guertler.