Indústria de sonhos futebolísticos

A busca pela carreira de jogador de futebol e o sonho de melhorar a condição da família fizeram com que jovem caísse em golpe

Em seu quarto, em meio a sons de marreta quebrando a parede do cômodo ao lado, somos recebidos por Matheus Moreira, de 21 anos. O barulho, pouco convencional para uma entrevista, se dá por conta de uma reforma que acontece na casa onde mora com os pais, na região norte de Belo Horizonte.

Matheus veste camisa do Viktoria 08 - Foto: Moisés EliasMatheus é mais uma cria da indústria futebolística brasileira, que, anualmente produz possíveis candidatos a craques nacionais e internacionais, aonde são despejados no mercado da bola.

Com passagens por clubes amadores, como Venda Nova, Santa Cruz da cidade de Santa Luzia-MG, e Soccer Trainer (clube de empresários), Matheus viu a oportunidade de se profissionalizar no esporte quando recebeu um convite de um agenciador de talentos para fazer testes em clubes da Alemanha.

“Ele prometeu que eu teria a oportunidade em sete times e que eu iria ficar,” Relembra Matheus, cuja identidade do operador prefere manter em sigilo. 

O jovem jogador, na época com 19 anos, permaneceu na Europa por quatro meses. Mas, para isso, precisou pagar ao agente R$15 mil reais para custear suas despesas. Valor que. segundo ele, não incluíam o custeio das passagens.

Ao chegar ao país europeu, o jovem percebeu que pouca coisa do que foi acordado no Brasil seria cumprido. Longe da família - e sem falar o idioma -, ele se viu totalmente dependente do agente que, de acordo com o atleta, mudou de comportamento dias após a chegada.

Segundo Moreira, o agente não gostava que ele mantivesse contato com seus familiares no Brasil, sob a justificativa de poder atrapalhar sua concentração e tirar seu foco dos treinos.

Em último documento publicado pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol), datado de fevereiro de 2019, e que aponta transferências feitas entre o futebol brasileiro e o exterior em 2018, é mostrado que só naquele ano foram movimentados R$1,6 bilhão em vendas e compra de jogadores.

Realidade bem diferente do que viveu Matheus quando foi tentar a vida correndo atrás da bola no Velho Mundo. Para que fosse possível efetuar a viagem, inclusive, o pai do jovem precisou vender uma Kombi, contudo, longe da família e sem poder passar muitas notícias, a vivência foi bem difícil.

 “Eu passei fome na Alemanha!”, afirma. “Você não sabe o que é comer somente dois pães de forma pela manhã, beber um café com leite e ter que sair para treinar”.

De acordo com o jogador, nem sempre ele podia contar com refeições diárias, mas o que não faltava era pão de forma. Algo inimaginável para um atleta de alto rendimento, como explica Ruth Egg, nutricionista esportiva.

“A alimentação de um atleta é totalmente diferente de uma pessoa comum. A quantidade de calorias que ele deve ingerir varia muito do tipo de treino e do esporte que ele pratica – e a intensidade do treinamento. Uma pessoa comum, por exemplo, deve comer ao dia 2.000 mil calorias. Então, um atleta, a gente pode considerar que ele precise de muito mais do que isso”.

A nutricionista ainda ressalta que caso a reposição de energia não seja feita de forma adequada, pode-se gerar uma vulnerabilidade que expõe a pessoa a infecções, fadiga crônica, exaustão mental, dificuldade de concentração e perda de massa muscular. Afetando assim o desempenho físico e técnico.

As provações vividas na pequena cidade de Georgsmarienhütte, onde o modesto clube Viktoria 08 está sediado, jamais sairão da memória de Matheus que admite ter caído em um golpe.

Mas, indagado sobre o sonho de jogar profissional no Brasil, rapidamente, o jogador que hoje cursa engenharia elétrica responde: “Eu tenho feito meus treinos, pois o futebol é uma caixinha de surpresa. Se for da vontade de Deus, devo estar preparado. Ainda tenho tempo”, finaliza.