Tributo a Ayrton Senna

25 anos após sua morte, piloto brasileiro é homenageado pelos organizadores da F1

Lembro até hoje do meu 01 de maio de 1994. Um domingo, que como tantos outros, acordei cedo e fui correndo pra frente da televisão pra assistir mais uma corrida do Ayrton Senna. Aquela era uma temporada um pouco mais difícil pra ele do que de costume, pois piloto e equipe não conseguiam chegar ao acerto ideal de seu carro, um Williams FW16.

Mesmo assim, não só em minha casa, mas em praticamente todos os lares brasileiros, Senna animava as manhãs de domingo com sua paixão e ousadia enquanto pilotava. Era tão intenso que chegava a ser difícil de traduzir em palavras, mas quem viveu naquele tempo consegue entender facilmente que sentimento é esse.

Antes da largada da corrida deste dia, o GP de San Marino, em Ímola, estava com clima pesado. Dolorido. Fúnebre. O piloto austríaco Roland Ratzenberger sofreu um acidente grave no treino classificatório um dia antes da corrida, vindo a falecer minutos depois, ainda na pista. Senna não queria correr. Não se sentia bem para isso depois de saber desse acidente. Mas foi. Em vez de uma bandeira do Brasil como costumava fazer, em segredo, levou consigo uma da Áustria em seu bolso, a qual agitaria após a corrida para homenagear Ratzenberger. Sabemos muito bem que isso nunca aconteceu.

Lembro de estar deitado no sofá, vendo Schumacher no encalço do piloto brasileiro. Lembro também de ouvir Galvão Bueno dizendo "Senna bateu forte" segundos após a abertura da sétima volta. Um silêncio em toda a casa. Ninguém falava nada. Todos apreensivos vendo as imagens da TV. Um breve alívio quando a imagem fechada no carro mostrou o piloto fazendo um movimento com a cabeça antes ainda da chegada da equipe médica. Também não me esqueço de quando o helicóptero o levou para o hospital e todos em casa tentaram se ocupar com alguma outra atividade para disfarçar a angústia que tomava conta de todos nós. Em vão. Pouco tempo depois, o plantão de notícias informou aquilo que nunca queríamos ouvir. Nosso herói estava morto.

Herói. Termo atribuído a quem executa ações excepcionais, com coragem e bravura. Ama e é amado pelo seu povo. Perseverante às mais adversas situações. Esse era nosso Ayrton. Lembrado e homenageado até hoje, por pessoas do meio automobilístico, esportivo ou de qualquer esfera, Senna se tornou imortal em nossos corações.

Tamanha admiração por Ayrton fez com que, 25 anos após sua morte e faltando apenas uma semana para o GP do Brasil em Interlagos, os patrocinadores da Fórmula 1 organizassem um evento dedicado exclusivamente em sua homenagem. O Heineken F1 Festival - Senna Tribute trouxe para o Obelisco do Ibirapuera, além de exibições com carros modernos de Fórmula, dois dos carros mais importantes do nosso tricampeão. O primeiro deles, a Toleman TG184, carro pilotado por Senna em 1984, seu ano de estreia na F1. Apesar do baixo desempenho desse bólido, Ayrton conseguiu resultados expressivos com sua garra nas pistas, como a lendária corrida de Mônaco nesse ano, onde sob forte chuva, cruzou a linha de chegada à frente de Prost, mas ficou com o segundo lugar porque o francês se sentiu ameaçado, pediu o encerramento antecipado da corrida e o diretor de prova assim o fez.



Reprodução / Getty Images


A Toleman estava programada para entrar na pista às 14:30h, logo após o empolgante Drifting Show do Drift Meet Team e da apresentação de Kart de Tuka Rocha. Porém, um problema para dar a partida no carro fez com que toda a programação fosse alterada. O primeiro carro de Fórmula 1 a entrar na pista foi o Mercedes AMG Petronas Motor Sport, pilotada pelo piloto de testes e desenvolvimento da equipe Mercedes na Fórmula 1, Esteban Gutierrez.

Assim que os mecânicos deram a partida neste carro, ainda nos boxes, uma empolgação tomou conta dos presentes no evento, mesmo não sendo este o modelo mais esperado para a apresentação. Gutierrez deu algumas voltas na pista com o carro, fazendo “zerinhos” e levantando muita fumaça a poucos metros dos espectadores, que vibravam com cada manobra executada pelo piloto mexicano.



Foto: Vinícius Mariga / O Prefácio


A primeira decepção do dia foi quando o jovem piloto brasileiro de 17 anos que corre pela Fórmula Renault e é um dos pilotos mais promissores no caminho que leva à Fórmula 1, Caio Collet, a bordo de um carro da Renault F1 Team, bateu seu veículo contra a proteção da pista enquanto fazia apenas sua segunda manobra. A velocidade em que ele cortava o circuito montado nos arredores do Obelisco e o barulho de seu motor impressionavam quem assistia, mas após o pequeno acidente, o carro precisou ser recolhido para os boxes, pois tinha se tornado inseguro para manobras no local sem seu bico e asa dianteira. Isso acabou gerando um tempo vago entre as apresentações do evento, uma vez que sua saída foi antecipada e o carro da estreia de Senna ainda estava com dificuldades para dar a partida.

Quando finalmente o carro foi ligado, o mesmo entrou na pista sendo guiado pelo último piloto brasileiro a competir na principal categoria do automobilismo, Felipe Massa. O ronco do motor do carro de 35 anos assustava. Mas o que mais chamava a atenção naquele veículo era a tecnologia, ou a falta dela, em sua construção. Um cockpit simples, com um assento muito parecido com o de um Kart, uma alavanca de madeira utilizada para troca de marchas e um volante que servia somente para guiar o carro, já que não tinha nenhum botão. Os modelos atuais, porém, costumam ter mais de 20, e apenas o velocímetro. Esse era o carro que Ayrton Senna corria a mais de 300km/h em 1984.

Felipe Massa e os mecânicos tentaram, mas antes mesmo de completar uma volta na pista, o motor do TG184 apagou mais uma vez e não ligou mais. A saída encontrada para que todos pudessem ver o carro foi, para sofrimento dos mecânicos, empurrar o automóvel por toda pista enquanto Massa saudava o público de dentro do cockpit. Por este problema, Pietro Fittipaldi, neto de Emerson Fittipaldi e que também trabalha para chegar à Fórmula 1, não pôde pilotar a Toleman, como estava previsto que ele o fizesse, revezando com Felipe Massa.

A exibição mais aguardada do dia começou pouco depois das 16h, ao som do público entoando em uníssono o mesmo canto que embalou as vitórias de Senna em Interlagos e que ainda é reproduzida nas corridas e eventos em homenagem ao piloto hoje em dia. Toda a plateia cantando “Olê olê olê... Senna... Senna” enquanto a Lotus 97T, guiada por Emerson Fittipaldi, o primeiro piloto brasileiro da F1 e que foi bicampeão em 1972 e 1974, já era uma experiência extremamente emocionante por si só.

Porém, foi no momento em que Fittipaldi parou no meio da pista e recebeu uma bandeira brasileira das mãos de Viviane Senna, presidente do Instituto Ayrton Senna, que a comoção tomou conta de todos que assistiam à apresentação. Aqueles que viveram a época de ouro da Fórmula 1 e que acompanhavam as corridas de Senna não conseguiram se conter e se entregaram às lágrimas enquanto pareciam não acreditar no que estava diante de seus olhos.

Aquele carro icônico, preto e dourado, número 12, com o nome Ayrton Senna na lateral, sendo guiado por alguém carregando a bandeira do Brasil enquanto se ouvia o famoso Tema da Vitória, imortalizado em cada corrida que o piloto homenageado vencia, nos remeteu ao tempo em que se viam grandes batalhas por posições na pista. Sem ajuda de tecnologia, apenas braço.

Fora essa lembrança,m o carro também nos remeteu ao tempo em que um gigante brasileiro não se dava por vencido em qualquer que fosse a sua situação na prova e que sempre fez questão de mostrar o amor pelo seu povo, pelo seu país, pela sua origem. Depois de tanto tempo, Senna ainda é referência para pilotos e ainda causa comoção nos fãs de automobilismo.

Como previsto, depois de Fittipaldi pilotar a Lotus, o piloto deu lugar para que Felipe Massa também pudesse guiar o carro preto e dourado. Repetindo o gesto de Emerson, Felipe também ostentou a bandeira do Brasil enquanto manobrava pela pista. E também causou a mesma emoção no público presente.



Foto: Vinícius Mariga / O Prefácio


Ao final do evento, enquanto os pilotos que participaram das apresentações carregavam simultaneamente uma imensa bandeira com o rosto de Ayrton, houve uma breve exibição da Esquadrilha da Fumaça, lembrando o voo de Senna em 1989. Quando ele rompeu a barreira do som a bordo de um Mirage e os espectadores voltavam a cantar o nome do piloto, um sentimento veio à tona: não importa quanto tempo tenha passado desde o acidente em Imola, nem quanto tempo ainda passe, nosso herói sempre estará vivo.