Fórmula 1: uma nova rivalidade surge na Ferrari

Com a temporada 2019 da Fórmula 1, uma nova rivalidade vem surgindo na Escuderia Ferrari.

Na chamada era moderna da principal categoria do automobilismo, a equipe italiana nos brindou com alguns conflitos entre seus pilotos, como aconteceu entre o hepta campeão Michael Schumacher e Rubens Barrichello e, também, entre Fernando Alonso e Felipe Massa.

Desta vez, o conflito interno se dá entre o alemão Sebastian Vettel, 32 anos e tetra campeão da categoria, e o jovem monegasco Charles Leclerc, que, aos 22 anos está disputando sua segunda temporada na Fórmula 1, sendo a temporada atual, a sua primeira pela Ferrari. Mas o que estaria acontecendo na equipe de Maranello para que uma rivalidade entre dois pilotos, que são de praticamente de gerações diferentes, surja em tão pouco tempo de convívio? Para entender melhor a situação, precisamos primeiro analisar alguns números de ambos os pilotos, começando por Vettel.

Sebastian Vettel estreou na Fórmula 1 em 2007, mostrando arrojo e talento desde suas primeiras corridas. Ele se tornou campeão aos 23 anos, em 2010, pela Red Bull, sendo o mais jovem a conseguir este feito. A marca de jovem campeão foi mantida nos anos seguintes, em seu bi, tri e tetra campeonato. Vale ressaltar que, à época, os carros da Red Bull estavam um nível acima em relação à performance das outras equipes do grid, assim como as Mercedes de Hamilton e Bottas estão nos últimos anos. Porém, de 2014 pra cá, o alemão não conseguiu um carro de performance parecida com os seus anteriores, o que fez com que seus resultados não fossem mais brilhantes como antes. Seduzido pela Ferrari, Vettel deixa a equipe austríaca para correr pela italiana a partir de 2015, mas mesmo, assim, os resultados continuaram a não aparecer.

Foto: Getty
Com vitórias esporádicas e erros frequentes - erros, inclusive, que não condizem com um piloto com currículo tão grandioso como o seu, mas sim de um principiante -, Vettel nunca sequer chegou a ameaçar a hegemonia da Mercedes em suas últimas temporadas. Nos raros momentos em que esteve à frente do campeonato, o alemão parecia sentir a pressão dentro da pista e voltava a cometer erros infantis durante as corridas. Na temporada atual, ele está apenas em 5º lugar no campeonato, vencendo apenas o GP de Cingapura, após ter ficado mais de um ano sem vencer uma corrida e tendo desempenho muito abaixo do esperado para um tetra campeão.

Charles Leclerc estreou na Fórmula 1 em 2018, pela equipe Sauber-Alfa Romeo, uma equipe modesta que sempre figura entre as últimas colocadas no campeonato, mas que nas mãos deste jovem piloto, conseguiu pontos importantes durante esta temporada.

Foto: InternetOs resultados de Leclerc em sua temporada de estreia fizeram com que os olhos da maioria das equipes se voltassem para ele, o que lhe rendeu um contrato para ser piloto da Ferrari na temporada de 2019. Muito se especulava sobre como o jovem piloto se comportaria numa equipe de ponta, uma vez que os bons resultados pela Alfa Romeo eram inesperados e, consequentemente, sem pressão para se manter entre os pilotos da ponta do Grid - pelo time italiano ela passaria a ter a obrigação de se manter entre os melhores para justificar seu contrato.

Esta pressão criada e colocada nos ombros de Leclerc não obscureceu o seu brilhantismo, que desde a primeira etapa da temporada, em Melbourne, na Austrália, mostrou a que veio. Pressionando seu companheiro por várias voltas na corrida de abertura do campeonato, Leclerc se viu obrigado a manter sua posição, uma vez que a ordem vinda dos boxes da Ferrari era de que ele não ameaçasse a posição do piloto alemão, mesmo que seu desempenho fosse superior. O monegasco acatou a ordem da equipe sem maiores reclamações.

Nas etapas seguintes, começava a deixar claro que não seria apenas um piloto escudeiro de Vettel, mas sim que estaria na pista para competir de igual para igual com o alemão, o que deixou um leve clima de desconforto dentro da equipe e, principalmente, com seu companheiro.

Leclerc e Vettel se encontraram várias vezes na pista ao longo do campeonato, e a Ferrari, famosa por escolher um piloto para ser favorecido ao longo da temporada, dava ordens diretas a Charles para não atacar ou ameaçar a posição de Sebastian na corrida. O descontentamento do jovem piloto ainda não era tão claro, pois as trocas de mensagens entre piloto e equipe ainda eram brandas, mas já se notava um leve questionamento de alguém que tinha muito mais a oferecer com seu talento do que ser apenas coadjuvante. Para o mundo, a situação parecia dentro dos conformes, não havia suspeitas de uma grande rivalidade interna.

Mas, analisando mais a fundo, temos de um lado um tetra campeão acostumado a receber toda atenção e prioridade da equipe, mas que não apresenta resultados concretos há tempos, do outro, um jovem piloto que apresenta os resultados que a Ferrari precisa e não se conforma com o status de segundo piloto da equipe, ou seja, aquele que não tem a prioridade em desenvolvimento de projetos, estratégias de corrida ou qualquer outra coisa que não o favoreça perante seu companheiro. Sendo assim, a chance deste campeonato terminar com um clima agradável na Ferrari era bem pequena diante desta situação.

Até o GP da Hungria, a disputa entre os dois pilotos durante as classificações para o grid de largada estava equilibrado, 6x6. Mas, durante as corridas, Vettel levava vantagem favorecido pelas estratégias definidas pela Ferrari, tendo uma vantagem de 8x4 nos resultados.

Durante as férias de verão da F1, a Ferrari teve tempo para desenvolver melhorias em ambos os carros e esperava-se que a rivalidade que começava a surgir entre seus corredores se apaziguasse. Ledo engano. As melhorias foram de fato aplicadas em seus carros, porém, a rivalidade só aumentou. Leclerc pareceu não se importar mais com as ordens e estratégias da equipe que não o favoreciam e, consequentemente, seus resultados passaram a ser superiores aos de seu companheiro.

Marcando o melhor tempo em quatro classificações seguidas, Charles Leclerc passou a ser o recordista de Pole Positions na temporada, superando até mesmo Lewis Hamilton, líder do campeonato. Durante as corridas, os resultados não foram diferentes. O monegasco venceu duas corridas em sequência, Bélgica e Monza (sendo esta última considerada a casa da Ferrari, onde a equipe não vencia desde 2008, ainda com Fernando Alonso em seu cock-pit). As duas corridas seguintes, Singapura, que foi vencida por Sebastian Vettel com Leclerc em segundo, e Rússia, vencida por Hamilton e com Leclerc amargurando apenas a terceira posição foram o estopim de toda a polêmica e rivalidade entre os pilotos da Ferrari.

Em ambas as etapas, Leclerc largou em primeiro, mas durante a corrida, foi atrapalhado por seu companheiro de equipe. Enquanto liderava o GP de Singapura e teria a prioridade para troca de pneus, a Ferrari resolveu inverter a chamada para os boxes e Vettel fez a troca primeiro, obrigando Leclerc a permanecer com pneus gastos por mais tempo na pista, o que lhe custou segundos preciosos e fez com que perdesse a primeira posição.

Questionando sua equipe pelo rádio sobre a estratégia aplicada, Charles ouviu de seu engenheiro que ele não deveria colocar os pontos que estavam conquistando em risco, ou seja, não disputar com Vettel para retomar a primeira posição. Leclerc não se conteve e esbravejou para que o mundo pudesse ouvir: “É claro que eu não vou fazer nada estúpido aqui. Só quero entender o porquê da minha corrida ter sido dada de presente pra ele!”, mas de nada adiantou. As posições foram mantidas e o clima tenso estava oficialmente estabelecido na Ferrari para que todo o mundo pudesse saber.

Na etapa seguinte, na Rússia, também com Charles Leclerc largando em primeiro, a Ferrari optou pela estranha estratégia de fazer com que Vettel assumisse a ponta na largada e Leclerc segurasse Hamilton na terceira posição, sendo que o alemão deveria devolver a posição ao seu companheiro logo em seguida.

Vettel jamais devolveu esta posição para Leclerc e o clima pesado entre os dois e a equipe se manifestou novamente. Para piorar ainda mais a situação, o carro de Vettel quebrou logo após sua parada nos boxes sendo necessário o acionamento do Carro de Segurança Virtual, o que obriga os pilotos a reduzirem sua velocidade, e impediu que Charles alcançasse os pilotos da Mercedes enquanto os mesmo estavam nos boxes, sobrando então apenas a terceira colocação para ele.

Após esta etapa, o jornal italiano Gazeta Dello Sport, conhecido e respeitado mundialmente no meio esportivo e principalmente quando o assunto é Fórmula 1 e Ferrari, publicou uma matéria dizendo que o clima na equipe italiana está tão pesado que os dois pilotos sequer se olham nos bastidores, já não existe mais companheirismo entre eles, muito menos diálogo, mesmo que esse diálogo seja em prol da equipe. Situação muito parecida com a rivalidade entre Senna e Prost nas temporadas de 1988 e 1989, quando os dois competiam pela McLaren.

O Japão recebe a 17ª etapa da temporada de 2019, no circuito de Suzuka, pista que já decidiu vários campeonatos, inclusive com Ayrton Senna ganhando seus três títulos neste circuito, em meio à passagem do tufão Hagibis, que fez com que a agenda do final de semana fosse totalmente alterada, cancelando treinos livres, postergando a sessão de classificação para poucas horas antes da corrida e atrapalhando os pilotos com rajadas de vento inesperadas vindo de todas as direções, o que causou dois acidentes com os pilotos Robert Kubica e Kevin Magnussen exatamente no mesmo ponto, a saída da chicane Triangle.

Com Sebastian Vettel largando em primeiro e Charles Leclerc em segundo, apenas 0,189 segundos atrás de seu companheiro numa pista onde, teoricamente, a Ferrari leva vantagem sobre a Mercedes, a dobradinha da equipe italiana parecia certa ao final desta corrida, mas uma série de acasos não permitiu que isso ocorresse, menos ainda que a rivalidade entre seus pilotos aumentasse.

Com uma largada ruim de ambos os carros, inclusive com Vettel queimando a largada, mas sem ser punido pelos comissários, e com Leclerc se envolvendo em um incidente com Max Verstapen na segunda curva da primeira volta, Valteri Bottas assumiu a primeira posição e só a perdeu para seu companheiro por algumas voltas durante as paradas nos boxes.

Foto: STR / JIJI PRESS / AFP Tanto Ferrari quanto Mercedes adotaram estratégias no mínimo curiosas para gerenciamento de seus pneus, inclusive com Hamilton questionando seu engenheiro sobre a real necessidade da sua segunda troca enquanto liderava. Numa corrida com muitas ultrapassagens no pelotão de trás, mas sem grandes alterações na ponta, a Mercedes consagra-se, mais uma vez, campeã do Mundial do Construtores, restando ainda 4 etapas para o final do campeonato.

A etapa termina com a vitória de Bottas, Vettel em segundo e Hamilton em terceiro. Leclerc, apesar de seu incidente que o jogou para a última posição, ainda consegue alcançar o sexto lugar. Desta maneira, o quinto campeonato de Hamilton fica cada vez mais próximo, uma vez que o inglês tem 338 pontos contra 274 de Bottas, que consegue respirar um pouco mais aliviado na segunda posição. A disputa pelo terceiro se torna mais acirrada entre Leclerc, 223 pontos, Verstapen e Vettel, ambos com 212 pontos.

Restam a Ferrari 3 opções para esta reta final de campeonato. A primeira e menos provável é de que liberem seus pilotos para brigarem por posições à vontade na pista, o que pode ser perigoso devido ao ímpeto de Leclerc em conseguir resultados e a pré-disposição de Vettel em cometer erros quando está sob pressão. As outras opções são mais seguras, porém, nada fáceis de se decidir: manter os privilégios para um piloto renomado, mas que não apresenta os resultados que a equipe necessita, ou investir no piloto jovem que vem demonstrando talento e brilhantismo característicos de um futuro campeão. Qualquer um dos caminhos deixará a rivalidade ainda mais acirrada e as corridas mais emocionantes para quem as assistem.

A próxima etapa da Fórmula 1 será concluída no dia 27 de outubro, no Autódromo Hermanos Rodríguez, na Cidade do México, com a briga pela segunda posição do campeonato, tanto de pilotos quanto de construtores, ainda em aberto.