Mudar modelo econômico é um passo definitivo para a preservação do gelo antártico

Representando 90% de todo o gelo da Terra, o gelo da Antártida é importante para a manutenção atmosférica e oceânica

Localizada no extremo sul do planeta, a Antártida ocupa uma área de 14,2 mi km². Ainda assim, ela é considerada o segundo menor continente da Terra, ficando atrás somente da Oceania, cuja extensão territorial é de pouco mais de 8,5 mi km². Apesar de ter um tamanho inferior à Ásia ou à América, a também conhecida Antártica abriga 90% de todo o gelo existente.

Por isso, as mudanças climáticas estão criando preocupações acerca da região, mas também da Groenlândia, que, atualmente, está assumindo maior contribuição para o aumento do nível do mar, o qual nos dias atuais cresce 8 mm por ano. Estima-se, porém, que dentro de 20 anos a Antártida seja a principal responsável pela ampliação do volume do mar.

Ainda assim, atitudes para proporcionar a manutenção do ecossistema antártico já devem ser tomadas para evitar cenários mais graves no futuro. Os estudos Projected Land Ice Contributions To Twenty-first-century Sea Level Rise e The Paris Climate Agreement and Future Sea-level Rise From Antarctica chegaram ao consenso de qual direção seguir.

Publicados na Revista Nature, em maio de 2021, eles concluíram que, se o aquecimento global se limitar entre 1,5 e 2°C acima dos níveis pré-industriais, será possível reduzir o aumento do nível do mar. “Para atingirmos este meta, vamos precisar preservar nosso meio ambiente, aumentando áreas verdes e parques ecológicos protegidos e, obviamente evitar o desmatamento”, elenca Tércio Ambrizzi, professor titular do Departamento de Ciências Atmosféricas da USP.

A Floresta Amazônica perdeu, entre janeiro e outubro de 2021, 9.742km² devido ao desmatamento. Foto: Istock


Se unindo a Ambrizzi está o professor 
Alessandro Batezellido Instituto de Geociências da Unicamp. Para ele, algumas políticas já estão sendo desenvolvidas em várias partes do mundo, mas ainda carecem de maior adesão por parte das grandes nações mundiais.

Entre elas estão iniciativas ambientais bem definidas visando a preservação de florestas e redução significativa das queimadas provocadas pelo ser humano; mudança na matriz energética global, que hoje é muito dependente dos combustíveis fósseis; adoção de energias resultantes de fontes não poluidoras, como hidroelétricas, solar, eólica e geotermal.

Outras medidas já observadas são investimentos em transporte público de qualidade e, no que tange o aspecto industrial, financiamento nos estudos sobre formas de captura e armazenamento geológico do CO². 

“Apesar de o grande ponto ser em relação ao modelo econômico, eu vejo que o que temos no momento é uma questão muito mais profunda que econômica, é uma questão de crise civilizatória”, reflete o vice-presidente do Comitê Internacional de Pesquisas Antárticas e cientista-líder do Programa Antártico Brasileiro, Jefferson Cárdia Simões. “Nós estamos com um modelo econômico que era sustentável na época em que a população era de 1bi de pessoas e cujo impacto ambiental era, no máximo, local, e, de repente, o avanço dessa economia chegou ao ponto em que se produz mais do que o planeta consegue se recuperar e se sustentar”, avalia.

Caso a temperatura do planeta continue se elevando e, por ventura, supere a estimativa média de 1,5°C encontrada pelos estudos publicados na revista Nature, a Antártida será afetada de maneira a abalar todos os habitantes do planeta Terra. Contribuindo atualmente com cerca de 30% do aumento do mar, o continente possui uma área específica que gera mais preocupação na comunidade científica, que é a Antártida Ocidental.


Imagem: retirada do livro ''Antártica e as Mudanças Globais: um Desafio Para a Humanidade''


Como a Antártida Ocidental está com substrato, ou seja, o contato entre a rocha e o gelo está abaixo do nível do mar, ela é mais sensível às mudanças na temperatura dos oceanos. Isso faria com que essa parte fique desestabilizada, ocasionando extravasamento e vazamento de todo o gelo que está acima do manto de gelo. “A consequência disso é que, entre 300 e 400 anos, o nível do mar aumente 6m, patamar ainda menor que o derretimento de 10% do gelo de todo o planeta”, pontua Simões.


Partindo de um cenário em que todo o gelo antártico derreta, o nível do mar se elevaria em 57 metros. E nesse ponto, o professor titular do Departamento de Ciências Atmosféricas da USP Tércio Ambrizzi, avalia que, além de haver um novo desenho dos continentes, o desaparecimento de ilhas seria evidente e, com isso, a temperatura da superfície do mar seria alterada em diversas regiões. “Além disso, o regime dos ventos e a precipitação sofreriam mudanças, fazendo com que, inclusive, as regiões de atuação dos furacões também sejam modificadas”, acrescenta.

Essa hipótese é, apesar de extrema, uma realidade encontrada por centenas de artigos científicos. Baseados em dados de campo e laboratório, eles têm demonstrado o efeito desastroso das emissões de CO² e permitido simular cenários futuros. Se o aquecimento global continuar de maneira desenfreada, a estimativa é de que, em 5 mil anos, não apenas o gelo antártico derreta, mas, sim, todo o gelo planeta.

Mapa global sem o gelo dos polos norte e sul. Imagem: reprodução da internet


No entanto, ela não é abraçada pelo vice-presidente do Comitê Internacional de Pesquisas Antárticas e cientista-líder do Programa Antártico Brasileiro, Jefferson Cárdia Simões. Para ele, o cenário apresentado só seria possível se o aumento da temperatura do planeta chegasse a 10°C. “Os piores cenários estão falando de 5 ou 6ºC até nos próximos 100, 150 anos”, comenta. “Todos os cenários que nós temos indicam que, nos piores casos, em 500, 600 anos o nível médio do mar poderia realmente aumentar até 6m, e isso seria o derretimento de cerca de 10% de todo o gelo do planeta”, esclarece.


Apesar de os piores cenários para com o aumento da temperatura e a consequente elevação no nível dos mares terem sua concretização estimada para algumas centenas de anos, existem evidências de que o derretimento já esteja ocorrendo em grandes proporções tanto no Ártico quanto na Antártida.

Uma das evidências de que o derretimento já ocorre em proporções fortes nessas localidades é a mudança do ph e o aumento da acidez da água, fazendo com que, no oceano austral, ela esteja se tornando cada vez mais doce. Para Simões, portanto, a mudança da química atmosférica está atingindo, em especial o ambiente antártico, de duas maneiras: pelo aquecimento e pela própria mudança química.

Segundo ele, no aquecimento o CO², o CH₄ e outros gases poluentes intensificam o efeito estufa e estimulam, consequentemente, o derretimento. “Mais gelo derretendo vai mais água doce para o oceano, mudando a salinidade do oceano austral”, explica. “Mas ao mesmo tempo, pela mudança química, está aumentando o volume de CO² na atmosfera fazendo com que o oceano austral fique mais ácido por absorvê-lo em maiores proporções e ocasionando, nesse ponto, a migração de organismos”, completa.

Em 2021, o Oceano Austral foi considerado, pela National Geographic Society, o quinto oceano do Planeta Terra. Imagem: reprodução da internet


Não por acaso, o estudo The Paris Climate Agreement And Future Sea-level Rise From Antarctica revelou que o gelo antártico pode atingir um ponto crítico de derretimento antes da metade do século. Isso porque o continente vem perdendo 145 gigatoneladas de gelo por ano.


De acordo com o estudo A Snapshot of Biodiversity Protection in Antarctica, publicado na revista Nature em 2019, 48 mil espécies antárticas foram computadas, sendo que a biodiversidade terrestre está permanentemente restrita a áreas livres de gelo, as quais equivalem entre 0,2 e 0,5% do continente.

As espécies integralmente aquáticas, por outro lado, estão adaptadas a viver a um nível de salinidade de 35 mil ppm e o intenso derretimento do gelo está alterando esse indicador. Isso faz com que esses animais não consigam acompanhar a velocidade das mudanças climáticas.

De acordo com o biólogo Matheus M. Santos, a alteração brusca e rápida faz com que muitas espécies não consigam acompanhar tais mudanças e sucumbam pela incapacidade de sobrevivência em um novo ambiente. “Eu diria que a extinção de muitas espécies seja iminente”, lamenta.