Comunidade forense se divide ao atribuir termo ‘serial killer’ a Lázaro Barbosa

Buscas mobilizaram comunidades e diversos policiais. Homem foi morto após 20 dias de perseguição

O ano era 1959. A cidade, Holcomb, no interior do Kansas, Estados Unidos. Em 15 de novembro daquele ano, uma família de quatro integrantes foi morta pela dupla de serial killers Richard Hickock e Perry Smith. Um crime quase perfeito que terminou com a execução dos assaltantes em 1965. O caso deu origem ao livro de não-ficção “A Sangue Frio”, de Truman Capote.

Passados 62 anos, um cenário semelhante foi observado no Brasil. Em 09 de junho de 2021, uma família de quatro integrantes é morta em Ceilândia, bairro do Distrito Federal. O ato foi feito por um único indivíduo, Lázaro Barbosa. A diferença entre o caso envolvendo a dupla Hickock e Smith e o de Barbosa reside na motivação. Enquanto no primeiro foi o dinheiro, a do segundo segue em investigação.

Morto por policiais após 20 dias de busca, Lázaro Barbosa já vinha colecionando diversos crimes hediondos mesmo antes do assassinato da família de Ceilândia. Desde 2007, ele estava envolvido em casos de homicídio, estupro e porte ilegal de armas. Foi em 2016 após o indulto de Páscoa que, ao não retornar à Penitenciária da Papuda, em Brasília, foi tido como foragido até sua morte.

Foi a partir dos atos realizados após sua fuga do presídio brasiliense que Lázaro passou a ser descrito pelos jornais brasileiros como um serial killer, o que, segundo o especialista em psiquiatria forense e mestre em psicologia Antônio José Eça, é um erro. “Lázaro Barbosa não pode ser tido como serial killer. Ele foi, sim, um criminoso desordenado”, destaca.

Apesar de ser tido por Eça como um criminoso desordenado, os atos de Barbosa lançaram dúvidas sobre sua condição, se era psicopatia ou sociopatia. De acordo com o Mental Health America of Eastern Missouri, o psicopata é manipulador, carismático, levanta a bandeira de uma vida normal e possui a atitude de minimizar os riscos de ser descoberto quando em atividade criminal. Já o sociopata é mais instável e não consegue manter uma vida normal, mas quando imerso em atividade criminal, ele tende a fazê-la de maneira imprudente e não liga para as consequências.

De acordo com a especialista em psicopatia e doutora em psiquiatria pela USP Hilda Morana, a diferença entre sociopata e psicopata não existe para os especialistas. Segundo ela, os norte-americanos denominam de sociopatia enquanto o resto do mundo atribui como psicopata. “Se alguém é capaz de matar sem ser em legítima defesa, então é psicopata. Por essa razão, serial killers são considerados psicopatas”, conclui.

Outros casos brasileiros

Além de Lázaro Barbosa, porém, a literatura forense nacional já presenciou outros casos de serial killers no Brasil. Em 1966, João Acácio Pereira da Costa chegou a cometer quatro homicídios na cidade de São Paulo. Em todos os assassinatos, Costa se utilizava de uma lanterna com luz vermelha para inibir as vítimas. Foi assim que, depois de ser nomeado como Homem Macaco e Mascarado, ele passou a ser conhecido como o Bandido da Luz Vermelha.

Passados 32 anos, a capital paulista foi cenário da atividade de outro serial killer. Em 1998, Francisco de Assis Pereira se apresentava como caça-talentos de uma revista e oferecia cachê para fotografar moças em um ambiente ecológico.

Com essa estratégia, Pereira atraiu três mulheres na casa dos 20 anos e uma menor de idade para o Parque do Estado, na zona sul da capital paulista. Elizângela Francisco da Silva, Raquel Mota Rodrigues, Patrícia Gonçalves Marinho e Selma Ferreira Queiroz foram estupradas e assassinadas no local. Desde então, Pereira ficou conhecido como Maníaco do Parque.

Foto: Parque Estadual das Fontes do Ipiranga foi palco, em 1998, das ações do Maníaco do Parque - reprodução da internet
Essas ocorrências exemplificam o método de ação de um serial killer. Afinal, de acordo com o Federal Bureau of Investigation (FBI), o termo “serial killer” designa uma série de três ou mais homicídios feitos de maneira semelhante, o que pode sugerir que foram feitos por uma mesma pessoa.

Para o psiquiatra forense Guido Arturo Palomba, o termo correto a ser atribuído a Lázaro Barbosa é condudopata. “No caso dele, o desvio se encontra na conduta. Ainda assim, vale lembrar que nem todo o condutopata é assassino ou mesmo assassino em série”, destaca.

Isso faz com que Barbosa se enquadre nos sintomas da psicopatia, condição que, segundo o médico especializado em psiquiatria pela Santa Casa de São Paulo Matheus Goulart, possui como ponto central a existência de um padrão de desrespeito e violação dos direitos dos outros.

Segundo o neuropsiquiatra Ricardo de Oliveira, 1 a 3% da população global possui características de psicopatia. A partir desse número, estima-se que exista, no mundo, aproximadamente 70 milhões de psicopatas. No Brasil, a condição alcança 207.517 pessoas.

Por conta desses números, Goulart aponta que os transtornos de personalidade não são específicos de classes sociais mais carentes. “Se pegarmos a literatura e ler as características do transtorno de personalidade antissocial, [sendo a psicopatia uma de suas variantes] percebemos que o presidente atual do nosso país possui alguns traços dessa condição”, exemplifica.

Foto: Presidente Jair Bolsonaro - reprodução da internetTendo como ponto a psicopatia, atualmente existem meios de identifica-la no indivíduo. O principal deles é a Escala de Robert Hare. Criada em 1991 pelo psicólogo canadense Robert D. Hare, ela consiste em um cheklist com 20 critérios.

No processo de avaliação, o clínico classifica o indivíduo, em cada tópico, em uma escala de três pontos, sendo 0- não se aplica, 1- se aplica pouco e 2- se aplica. Podendo chegar até 40 pontos, se na somatória o indivíduo avaliado atinge 30 pontos ou mais, pode ser considerado um psicopata.

Outros exames funcionais que chegaram no fim dos anos 90 e começo de 2000, como o PET scan, mostram áreas cerebrais ativas em tempo real e esses dados podem auxiliar os clínicos quanto ao diagnóstico e tratamentos. Entre as alterações cerebrais encontradas no psicopata, as amígdalas cerebrais são um exemplo.

Imagem: reprodução da internet
Conforme o neurocientista Igor Duarte, as amígdalas cerebrais são estruturas localizadas em cada lobo temporal e desempenham importantes funções com destaque para a empatia e o medo. Amígdalas normais avisam nosso cérebro que algo que estamos fazendo é errado e poderemos sofrer punições por isso e, logo, deixamos de fazer com medo da punição. “Psicopatas possuem amígdalas cerebrais reduzidas e, portanto, não sentem medo da punição por qualquer atividade que tenha sido feita”, explica.

Por essas razões, quando se trata da apreensão de um psicopata, a polícia deve agir de maneira sigilosa e com cautela para promover a segurança tanto dos próprios policiais quanto da sociedade civil. E isso não foi observado durante as perseguições de Lázaro Barbosa.

Ainda de acordo com o especialista em psiquiatria forense e mestre em psicologia Antônio José Eça, com o Maníaco do Parque e o Bandido da Luz Vermelha, a polícia agiu sorrateiramente. “Com o Lazaro fizeram fanfarronice, tonteria. Uma vez que o psicopata gosta da ostentação e do vangloreio, você não pode fazer alarde para que ele saiba o que está sendo feito”, critica.

O psiquiatra alemão Kurt Schneider afirmou, durante seus trabalhos, que as personalidades são consideradas psicopáticas quando, em consequência de sua anormalidade, sofrem ou fazem sofrer. “Precisamos levar a psicopatia mais a sério”, alerta Eça.