Futebol e política: o perigo do sportswashing

Com a proximidade da Copa do Mundo, o sportswashing voltou a ganhar espaço na mídia

O termo sportswashing (a tradução literal para o português seria algo como "lavagem esportiva") basicamente é usado quando um grupo, pessoa ou estado usa do esporte (através de eventos, patrocínios ou participação direta e ativa na modalidade esportiva escolhida) para desviar a atenção do seu histórico de violação aos direitos humanos - muitas vezes ligados também a grandes redes de corrupção.

Ao longo da história, a prática sempre esteve presente, mas veio aos holofotes da grande mídia com casos alarmantes e preocupantes no meio do esporte mais acompanhado e assistido do mundo: o futebol. O Catar, por exemplo, escolhido para ser a sede da Copa do Mundo 2022, jogará uma Copa inédita, em um caso onde o dinheiro fez valer sua força em meio ao esporte. 

Nos últimos meses, com a proximidade da Copa do Mundo, vemos nos noticiários cada vez mais casos de exploração aos funcionários responsáveis pelas obras dos estádios que serão utilizados no torneio mundial. Em fevereiro de 2021, o jornal inglês The Guardian noticiou que mais de 6.500 vidas de trabalhadores imigrantes haviam sido perdidas em solo catariano desde o início das obras em 2010, dando assim um pouco da noção das condições extremas (como as condições climáticas bastante complexas da região) as quais os funcionários são expostos para a construção de estádios e obras megalomaníacas.

No entanto, não é só no Catar que os direitos humanos têm sido violados de forma alarmante. Nos últimos anos, outros casos de uso indevido do esporte tem ganhado mais atenção e divulgação na mídia mundial e não somente na esportiva. O uso do esporte para desviar o foco de situações de exploração vem ganhando novos e impactantes capítulos.


A compra do Newcastle, clube da elite inglesa, por parte de um fundo de investimentos da Arábia Saudita, é um dos mais badalados casos de sportswashing dos últimos anos. Foto: reprodução da internet


O debate sobre o assunto veio à tona quando o príncipe saudita Mohammad bin Salman, através do Public Investment Fund (fundo criado para investimentos em nome do governo da Arábia Saudita), comprou 80% do tradicional clube inglês Newcastle United Football Club. Há de se recordar que o governo saudita não tem uma das melhores imagens internacionais, tanto devido à perseguição a jornalistas e críticos ao governo, além de ataques contra a liberdade de expressão e suspeita de execução de opositores ao governo.

A má fama ao redor do mundo ficou em segundo plano com o anúncio da compra de um clube da principal e mais assistida liga de futebol do planeta, causando assim revolta em alguns e euforia em outros, principalmente os fãs do Newcastle que sonham em ver dias melhores do seu amado clube. Afinal, há um fato relevante para tamanha euforia por parte da torcida dos Magpies (nome de quem é torcedor ou simpatizante do Newcastle): por mais que o clube do norte da Inglaterra seja uma equipe tradicional e com uma das maiores e mais apaixonadas torcidas, o Newcastle United convive com "indas e vindas" para a segunda divisão do país, sendo um mero figurante em meio a equipes maiores e com melhores condições financeiras (fato muito bem explorado pelo fundo saudita).

Outro caso famoso de sportswhashing, porém mais discreto, também vem da Inglaterra. A fama da Premier League de supostamente não se importar muito com a procedência do dinheiro investido em seus clubes não se resume ao Newcastle e nem é algo tão novo. Em 2018, o Arsenal recebeu um altíssimo investimento (por volta dos 34 milhões de euros na época) do governo de Ruanda. A ideia de estampar o nome do país africano em uma das camisas mais importantes do mundo visou atrair turistas, mas foi visto com revolta pelo fato de que Ruanda ainda é um país que convive com graves crises humanitárias, como alto índice de pobreza e recentes guerras civis. O ato foi classificado com desdém pela mídia ao redor do mundo e ainda teve um fator mais chocante: o presidente do Ruanda, em 2018, era Paul Kagame, um torcedor apaixonado dos "Gunners" (nome da torcida do Arsenal).


Camisa do Arsenal com o patrocínio na manga. Foto: reprodução de internet


Outros exemplos recentes de sportswashing são: a relação do governo do Azerbaijão com o Atlético de Madrid dentre 2012 e 2015, a compra de 70% do Paris Saint-Germain (PSG) pelo Qatar Investment Authority, em 2011, e a aquisição do Manchester City pelo o Sheik Mansour bin Zayed Al–Nahyan, da família real de Abu Dhabi (capital dos Emirados Árabes Unidos), no ano de 2008.

Além disso, os exemplos aqui citados ilustram um pouco de como o esporte e a política sempre andaram lado a lado, seja de uma forma direta, com apoio ou repressão dos governos, seja de forma indireta, com manipulação midiática e financeira em prol de determinado grupo que ignora os direitos humanos.​​