A influência sociocultural do k-pop

Vendido como um pacote de experiências, esse gênero musical oriundo da Coréia do Sul tem o Brasil como um de seus principais consumidores

Nos dias de hoje é difícil de observar um país cujos gêneros musicais não tenham sofrido influências de músicas estrangeiras. No caso do Brasil, existe o exemplo da Bossa Nova, estilo sonoro surgido no final da década de 1950 que bebeu da fonte do jazz estadunidense.

O país guarda, ainda, o caso das misturas rítmicas internas, como o que aconteceu com a
pisadinha ao incluir elementos do forró e do funk carioca em sua melodia. Esse fenômeno do intercâmbio musico-cultural é algo que alcança os cinco continentes, inclusive o asiático. É nele que se localiza a Coréia do Sul, país berço do k-pop, gênero musical em grande ascendência de popularidade. 

Sua construção vem desde 1870, ano em que evangelistas estadunidenses introduziram o gospel aos elementos da música popular coreana. Desse movimento vem a trot, a música popular da Coréia do Sul. Porém, é no período que compreende os anos de 1945 a 1960 que a trot é exposta de maneira massiva à música ocidental. 

O intervalo abriga o final da Segunda Guerra Mundial, a separação das Coreias e a Bittlemania. Foi durante esses 15 anos que a trot recebeu influência da música ocidental de gêneros como rock, blues, jazz, country e pop. Durante esse período foi quando, inclusive, a Coréia do Sul passou por uma ditadura militar que só acabou no inicio da década de 1990. 


A ditadura sul-coreana se tornou mais agressiva com a ascensão do major-general Chun Doo Hwan. Foto: reprodução da internet.

Segundo a antropóloga Tarsila Luz, no decorrer da ditadura a produção musical passava pelos controles políticos em que tanto as letras quanto os ritmos podiam ser censurados se fossem excessivamente americanos ou japoneses. “Então esse é o fundo histórico que nos leva ao surgimento do k-pop em si”, conclui. 

Por outro lado, o k-pop conhecido atualmente foi aparecer somente nos anos 90 com o surgimento da chamada indústria de ídolos da Coréia do Sul. Foi nesse mesmo período que surgiram os primeiros grupos do gênero, os quais foram se aprimorando com a popularização da cena dado ao uso que as gravadoras sul-coreanas passaram a fazer dos ambientes digitais. 

De acordo com o produtor musical e pesquisador da indústria fonográfica
João Marcondes, o k-pop como gênero musical conversa e depende da existência de artistas como Michael Jackson, Madonna e grupos de jovens da década de 1980. E nesse aspecto, o estilo retrata a necessidade contínua de renovação por parte da indústria fonográfica. “Até mesmo uma renovação que torna mais humana a expressão artística, porque representa o treinamento dos grupos, estabelecendo fortemente o treino para atingir o sucesso”, acrescenta.

Essa renovação pode ser entendida inclusive como uma forma de romper a hegemonia cultural dos Estados Unidos - visão que é defendida pela pesquisadora vinculada ao MidiÁsia
Daniela Mazur. Segundo ela, a cultura pop sul-coreana conseguir enfrentar e até mesmo desestabilizar a hegemonia cultural e midiática estadunidense aponta ao fato que essa indústria é forte e que o lugar hegemônico dos Estados Unidos não é o mesmo. “Vivemos em um mundo multipolar no qual o país norte-americano tem força histórica, mas que não se sustenta da mesma forma nos dias atuais”, avalia. 

Bandeiras da Coreia do Sul e Estados Unidos. Imagem: reprodução da internet.

Essa guinada de popularidade assumida pelo k-pop se deve principalmente a três fatores. O primeiro, segundo a jornalista e escritora Gaby Brandalise, é o investimento público injetado pelo governo sul-coreano para que o gênero se torne um produto de exportação que seja conhecido no mundo.

O segundo consiste no universo do k-pop, algo que vai muito além das músicas e discos lançados. E o terceiro se baseia no investimento usado nas produções do gênero. “O k-pop não é vendido simplesmente como música”, explica. “É um pacote em que, junto, se compra uma espécie de conto de fadas, pois é um universo de idols, de estilos, de roupas e de tendências de moda”, completa Gaby. 

O resultado da união bem sucedida desses pilares pode ser observado em um levantamento feito pelo Spotify. Realizado entre janeiro de 2014 e janeiro de 2020, o estudo K-Pop Around the World indica que o Egito viveu, no período, um crescimento de 33% na taxa de consumo do estilo musical na plataforma. No mesmo intervalo de tempo, o Vietnã observou uma elevação de 30% no streaming de músicas de k-pop. O estudo revelou, ainda, que os cinco países que mais realizam streaming desse tipo de música são, em ordem decrescente, Estados Unidos, Indonésia, Filipinas, Japão e Brasil. 

Para o produtor musical e pesquisador da indústria fonográfica João Marcondes, o sucesso intercontinental do k-pop acontece porque ele humaniza algumas conquistas e, dessa humanização, aproxima público e artistas. “Esse fato é muito relevante ainda mais em um país como o Brasil, amplamente miscigenado e capaz de consumir música de todo o mundo sem perder suas raízes e argumentos”, observa.