E se para encontrar a si mesma, fosse necessário trocar de vida?
Sinopse oficial de 'A Troca'
Leena Cotton tem 29 anos e sente que já não é mais a mesma. Eileen Cotton tem 79 e está em busca de um novo amor. Tudo de que neta e avó precisam no momento é pôr em prática uma mudança radical. Então, para colocar suas respectivas vidas de volta nos trilhos, as duas têm uma ideia inusitada: trocar de lugar uma com a outra.
Leena sabe que precisa descansar, mas imagina que a parte mais difícil será se adaptar à calmaria da cidadezinha onde a avó mora. Cadastrada em um site de relacionamentos, Eileen por sua vez embarca na aventura com a qual sonha desde a juventude. Dividindo o apartamento com dois amigos da neta, ela logo percebe que na cidade grande suas ideias mirabolantes não são tão complicadas assim.
Ao trocar não só de casas, mas de celulares e computadores, de amigos e rotinas, Leena e Eileen vão descobrir muito mais sobre si mesmas do que imaginam. E se tudo der certo, talvez destrocar não seja a melhor solução.
'A Troca' é um romance leve, perfeito para descansar a mente, mas sem perder o poder de reflexão sobre a vida no mundo moderno, comodismo e a necessidade de mudanças para nunca se desviar da riqueza encontrada em diferentes perspectivas.
Confesso que não tinha lido nenhuma obra da autora Beth O’Leary antes de 'A Troca', então iniciei sem pretensões ou possíveis expectativas, pois não conhecia o que estava por vir. Após terminar acabei pesquisando sobre ela, pois o primeiro aspecto que notei foi a fluidez dos capítulos.
A narrativa não economiza nos detalhes, mas isso não a torna repetitiva no progredir dos eventos. Cada situação parece se encaixar feito as peças de um quebra-cabeça. Quando tratamos de romances com dois pontos de vista, é fácil sentir quando há um desnível no perpassar descritivo dos acontecimentos envolvendo cada personagem, defeito que não encontrei em relação à Leena e Eileen.
No entanto, devo criticar uma proposta pouco explorada por Beth no livro: o relacionamento entre Leena e Marian (filha de Eileen). Apesar de ter sido mencionada a mudança no tom da filha em relação à mãe, desde as primeiras interações é dado a entender que isso seria destrinchado, o que ocorreu mornamente em um único capítulo, mas nunca nos foi dada a oportunidade de observar como elas se sentiam antes de Carla (irmã de Leena) falecer. Como a protagonista enxergava Marian e qual era o sentimento depois do desenrolar da trama?
Em compensação, devo aplaudir a delicadeza na qual o luto de Leena foi retratado. Apesar de ter passado a maior parte do livro sentindo uma certa irritação em relação às escolhas da moça de 29 anos, é compreensível determinados comportamentos, se levarmos em conta aquilo que a afastou de Londres e fez ter a grande ideia de trocar de ares com a avó, isto é, ansiedade.
Todas as fases da vida são permeadas por suas dificuldades, afinal, problemas da juventude não costumam nos preparar para todos aqueles enfrentados na terceira idade. Por vezes, esquecemos que cada momento, sentimento, experiência e vivência são válidos, mas nem sempre suprem todas as necessidades humanas, ou cobrem todas as possibilidades. Também é válido pontuar que, o luto é sentido de diversas formas diferentes, dependendo da cultura, da época, da família e condições socioeconômicas. Nem todos podem remoer o luto na mesma intensidade, por isso histórias como 'A Troca' são tão importantes.
O livro explorou de forma sutil e delicada um tema tão corriqueiro, mas incompreendido. Muitas vezes sentir o luto é o melhor bálsamo para estancar a ferida deixada pela partida de um ente querido.
O personagem que mais gostei no livro foi Eileen Cotton. É corajoso se mudar para o interior aos 29 anos, por dois meses, para tomar as rédeas de projetos iniciados pela avó, mas é admirável o ímpeto que leva alguém a fazer o mesmo aos 79 anos, tendo perdido a neta, lidando com uma filha em depressão e sendo abandonada pelo marido, do qual passou os últimos 50 anos ao lado, após descobrir que estava sendo traída.
Recomeçar depois de tantas décadas é uma tarefa árdua, da qual Eileen fez acontecer e arrasou no processo, desconstruindo e redescobrindo a si mesma, como teria feito na juventude, talvez ainda melhor, por ter como bagagem suas experiências.
Essa reconstrução de si mesma na terceira idade, sem perder a essência, me lembrou brevemente a premissa da série Grace & Frankie (disponível na Netflix), mas com a personalidade decidida e curiosa de Eileen, ganhamos reviravoltas que influenciam inclusive a vida de Leena.
'A Troca' deixa claro do início ao fim que nem sempre os sapatos que te ajudaram a caminhar sobre cacos de vidros durante crises, são adequados para desfilar carregando sua coroa de louros. Assim como Eileen não devia nada a Wade, descobrimos ao longo da história que relacionamentos abusivos não necessariamente começam tóxicos, mas se tornam conforme a personagem cresce mais do que a capacidade dos saltos que a carregaram pela Selmount.
Destaco também a construção dos personagens secundários, mas que evoluem de forma análoga à história principal. Jackson - me sinto na obrigação de incluir Hank, o labrador -, Betsy, Arnold, Roland, Penelope, Nicola, Samantha; todos acabam ganhando personalidades únicas, fazendo o leitor criar um afeto especial por cada um, com seus defeitos, qualidades e singularidades. Os habitantes de Hamleigh-in-Harksdale são carismáticos, inclusive os mais rabugentos deles. Os colegas de Leena - Fitz, Martha e Bee - também se tornam figuras carimbadas em nossos corações, por suas peculiaridades londrinas e atenção com Eileen, preocupação com a amiga e por levarem à narrativa doses de positividade, mesmo vindas em momentos caóticos.
Aliás, “caótico” é a palavra certa para descrever as relações em ambos os núcleos. O cenário cinzento de Londres ou as paisagens bucólicas em Leeds, tudo se torna um pouquinho caótico com a troca, mas esse é o charme de uma boa trama.
No geral, recomendo a leitura pela leveza e riqueza de mensagens. Temos de desconstruir a ideia de que somente clássicos enriquecem o repertório humano, dando uma oportunidade para os romances de autores e autoras atuais.
Classificação: Livre.
Gênero: Literatura e Ficção.
Onde encontrar: Disponível em livrarias e pela internet.
Avaliação: Bom.
Editora: Intrínseca.
Ano da edição: 2020.