Você pagaria para ter um amigo de aluguel?

A modalidade é nova no país, mas já indica mudanças sociais relacionadas aos formatos de família

Já em 2006, o diretor Tom Dey retratou no longa-metragem Armações do Amor a possibilidade de pagar alguém para se apaixonar por uma pessoa e fazê-la criar maturidade suficiente para sair da casa dos pais e viver a vida.

Mais recente ainda está Amor com Data Marcada, lançado em outubro deste ano e dirigido por John Whitesell. O diretor usou o enredo para mostrar, com o auxílio do par romântico formado pelos atores Emma Roberts e Luke Bracey, que é possível ter um acompanhante apenas para datas comemorativas, sem necessariamente assumir compromisso.

O que esses filmes têm em comum é a presença de um personagem escalado para resolver problemas no amor. Fora da ficção, porém, existe sim uma modalidade semelhante, mas ela não visa resolver questões relacionadas ao amor e sim à amizade.

Surgido no Japão, imigrado para a Europa e EUA e recém-chegado no Brasil, o personal friend é um profissional que se apresenta como um amigo de aluguel para conversar, desabafar, esclarecer dúvidas e para passeios.

“Os profissionais que atuam nesse mercado se autodenominam de personal enfatizando a natureza individualizada dos serviços oferecidos. E, por deterem um saber específico, eles apresentam-se como ‘especialistas’”, explica a doutora em ciências sociais pela PUC-RS, Maria Luísa de Dios.

Por usar muito da empatia, o personal friend é uma modalidade que já é exercida por muitos profissionais que nem sempre têm consciência disso. Alguns exemplos são cabeleireiros, manicures, esteticistas, advogados, diaristas, personal trainers e diversas outras que lidam diretamente com o público.

Há, contudo, uma singela diferença na força e importância que a empatia desenvolve nas profissões anteriormente listadas e no caso do personal friend. Enquanto os primeiros usam da empatia como um recurso extra de fidelização do cliente, no segundo essa tendência é o principal instrumento de ação. “No caso do personal friend, a empatia é essencial porque o profissional está lidando com uma pessoa que quer desabafar”, explica a personal friend e presidente da Agência InnVoga Personal Friend, Renata Cruz.

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Por se basear na empatia, existe uma flexibilidade na forma de atendimento oferecida pelo personal friend. Na Agência InnVoga, por exemplo, ela pode ser online ou presencial. No primeiro caso, o contato com o profissional pode ser feito via e-mail, WhatsApp, redes sociais, por telefone ou chamada de vídeo.

Já no presencial, o chamado, assim como no online, é feito previamente via WhatsApp ou telefone. Porém, nesse caso acontece um pré-agendamento, sempre feito em locais públicos e seguindo todas as normas que os colaboradores assinam no contrato, como por exemplo, não pegar carona e não ter contato físico com o cliente.

Apesar de ter todo esse critério de atendimento, o personal friend é um serviço que enfrenta alguns desafios. O primeiro deles é o fato de não ser algo regulamentado no Brasil, o que, segundo Renata, se deve ao fato de ser algo novo no país. Mas não só isso. O personal friend também enfrenta a dúvida com relação à diferença entre suas atividades com aquelas prestadas por um psicólogo.

De acordo com a personal friend e presidente da Agência InnVoga Personal Friend, Renata Cruz, o personal friend é um serviço que nada se compara a um trabalho de psicologia ou terapia, pois a ideia serve como prevenção justamente para não desencadear problemas psicológicos. “As pessoas nos procuram porque querem ouvir uma opinião ou uma ideia diferente das demais, sem julgamentos e sem serem analisadas”, explica.

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A procura por esses profissionais parece até mesmo ter tido uma alta em 2020. Por conta do isolamento social enfrentado pela população em vista da prevenção ao contágio do coronavírus, a Agência Innvoga presenciou um crescimento de 30% na procura por personal friends. Contudo, o isolamento pode não ser o único motivo pela procura desse serviço.

A insegurança pode ser outro motivo que explique a demanda por esse profissional. De acordo com o neurocientista, neuropsicólogo e psicanalista Fabiano de Abreu, por conta desse sentimento as pessoas acabam achando melhor alugar alguém do que tentar por si só fazer novas amizades ou procurar amizades antigas ou, ainda, manter amizades. “Eu digo que a gente está vivendo um narcisismo patológico em que você acaba não buscando outras pessoas até mesmo para não se rebaixar a ter que procurar alguém”, analisa.

A partir disso, é possível constatar que o surgimento do personal friend pode ser tomado como um indicio de mudanças sociais abrangentes que dizem respeito aos formatos de família, como, famílias mais desconectadas e com muitas pessoas das mais variadas idades morando sozinhas.

Assim, o serviço oferecido pelo personal friend visa suprir determinadas necessidades antes comuns na rotina familiar. “Podemos dizer que a contratação de um personal friend supre necessidades que antes faziam parte da vida relacional das famílias tradicionais, que eram extensas e de relações mais comunitárias”, analisa a doutora em ciências sociais pela PUC-RS, Maria Luísa de Dios.

Suprindo tais necessidades ou não, a questão é que, apesar de haverem diversos julgamentos sobre quem procura e quem oferece esse serviço, o personal friend terá sempre seu nicho de atuação porque sempre existirão pessoas que necessitam dessa assistência.

O fato é que esse serviço já entrou no território brasileiro e, na visão da personal friend e presidente da Agência InnVoga Personal Friend, Renata Cruz, o país abriga muitas pessoas que precisam de um personal friend, mas por um certo preconceito ou não entenderem bem o segmento, ficam descrentes. “Eu sempre digo que procurar um personal friend não significa que você não tenha amigos ou familiares, mas pode ser que essas pessoas não estejam disponíveis para você naquele momento”, esclarece.