"Lamentavelmente, no Brasil, ainda temos o culto à personalidade política"

Para o advogado Cássio Faeddo, a liberdade de imprensa ajuda a garantir o funcionamento da ordem democrática e das instituições

Diante dos repetidos ataques à imprensa brasileira e a atual situação política do país durante a pandemia de coronavírus, o jornal O Prefácio traz uma entrevista com o advogado Cássio Faeddo, graduado em Direito pela Universidade Paulista, Mestre em Direitos Fundamentais pelo UNIFIEO e com MBA em Relações Internacionais pela Fundação Getúlio Vargas.

Cássio comentou, dentre outros assuntos, sobre a liberdade de imprensa no Brasil e o processo de impeachment do presidente da República, Jair Bolsonaro.

Foto: Divulgação

Confira a entrevista na íntegra:

OP: O Inciso XIV do artigo 5º da Constituição de 1988 estipula que, no Brasil, é assegurado o direito de informar, de se informar e de ser informado. Entretanto, temos visto atualmente muitos ataques à imprensa brasileira, tanto por seus governantes como pela população. Como você enxerga esses atos?

CF: Vejo com muita preocupação que estes atos ocorram de forma crescente e praticamente sendo normalizados atualmente. A imprensa livre é garantia de perfeito funcionamento da ordem democrática e das instituições.

Lamentavelmente, no Brasil, ainda temos o culto à personalidade política, no lugar de se dar valor ao fortalecimento das instituições. Quando se observa o que ocorre nos EUA, vemos que a Constituição Norte Americana garante, logo na Primeira Emenda, a liberdade de expressão e de imprensa.

Na verdade, desde a redemocratização, a imprensa sempre encontrou dificuldades, o que é surpreendente, considerando que por quase 30 anos convivemos com censura. No Brasil, ainda temos uma elite política surgida na Nova República que tem imensa dificuldade de conviver com o contraditório e com opiniões contrárias.

Ainda nos EUA, é habitual que veículos de comunicação se posicione abertamente a favor de determinada linha política, e isto é visto com naturalidade, fazendo parte do jogo. Observe que não há qualquer impedimento de que aqueles que são francamente a favor do governo publiquem opiniões e versões dos fatos.

Portanto, é inadmissível censurar, ofender, agredir ou denegrir trabalhadores que estão realizando a cobertura jornalística, pois é fato que estão apenas cumprindo seu papel.

OP: Ir contra os poderes constitucionais do Estado é um crime de responsabilidade, pois atenta contra a Constituição Federal. Com o apoio do presidente da República, Jair Bolsonaro, aos atos contra os três poderes, inúmeros pedidos de impeachment foram realizados. Entretanto, por quê é um processo tão longo e demorado até a efetiva aceitação da denúncia?

CF: Porque é um processo político antes de tudo. Sem manifestação das ruas, nenhum presidente será apeado do poder e estamos em meio a uma pandemia de Covid-19. Outro fator preponderante é que o atual presidente, segundo pesquisas, ainda conta com apoio de cerca de 30% de eleitores.

Me parece um apoio cristalizado, que oscilará em números reais entre 25% e 30%. Não crescerá além deste número, pois trata-se praticamente de torcedores de Jair Bolsonaro. Isso também é comum no PT, há praticamente este mesmo percentual de petistas que não mudarão seu voto seja lá o que ocorrer.

A diferença que elege um presidente são os eleitores localizados no centro, seja à esquerda ou à direita. São eleitores que vão flutuar de acordo com a dinâmica de desejos sociais. Já foi forte contra a corrupção e segurança, o que favoreceu a eleição de Jair Bolsonaro que soube capitalizar bem essa tendência. Pode ser que estes aspectos permaneçam ou sejam somados a outros, como saúde, por exemplo.

Voltando ao tema do impedimento do presidente, é clara a queda de braço entre as ameaças de intervenção militar como instrumento de pressão e as decisões do STF, bem como as derrotas impostas ao governo no Legislativo.

OP: Nesses mesmos atos, citados na pergunta anterior, alguns apoiadores têm agredido jornalistas que fazem a cobertura do movimento. Existe alguma lei que assegure a segurança física para que seja possível exercer a liberdade de imprensa? 

CF: Teoricamente, em termos práticos, os órgãos de imprensa devem se valer de requerimento de proteção a Polícia Militar e de investigação por meio do Ministério Público para poderem trabalhar.

É um papel que deve ser exercido pelos órgãos de imprensa ou associação. Assim, mesmo que seja por meio do Poder Judiciário, deve ser garantida proteção aos jornalistas.

Particularmente, vejo como temerária a presença de jornalistas em manifestações ocorridas em Brasília e outras capitais, sem terem algum órgão de proteção do Estado. Mesmo que o número de participantes seja pequeno, são bastante agressivos.

OP: Recentemente, foi divulgado o vídeo da reunião interministerial (22 de abril), na qual o presidente Jair Bolsonaro está reunido com ministros. Na história, não temos casos de impeachment contra ministros, isso é possível de ocorrer? Além disso, as falas do presidente são passivas de um impeachment?

CF: A falta de decoro do presidente da República não enseja um processo de impeachment, mas as atitudes de ministros bravateiros que fizeram apologia a atos criminosos são motivadores desta ação. 

Acredito que alguns deles saiam em face do evento como uma resposta à sociedade. Mas o governo Bolsonaro pode surpreender e nada fazer.

OP: Como você avalia o Sistema Único de Saúde (SUS) nessa pandemia?

CF: A saúde nunca foi tratada com o devido cuidado, assim a falta de equipamentos de proteção, respiradores e leitos não foi surpresa. Sempre foi comum a propositura de ações, antes da pandemia, para que as pessoas pudessem ter acesso a medicamentos e cirurgias, dada a demora e carência de produtos.

Fizemos a opção política de gastar dinheiro público com Copa do Mundo e Jogos Olímpicos no lugar de educação e saúde. Isso foi o estopim das manifestações de 2013, mas parece pouco apreendido pelo sistema político. Talvez, agora, o sistema perceba que o cidadão com direitos trabalhistas, previdência e saúde seja melhor do que o cidadão carente, dependente do Estado.

O liberal nacional precisa perceber que o trabalhador emancipado será independente de favores do Estado e o liberalismo poderá ser mais fluente. Com mais e melhores hospitais, profissionais e povo culto nosso isolamento seria menor.

OP: Com base na situação registrada em Manaus, durante a pandemia de coronavírus, surgem dúvidas sobre o direito da população a respeito do sistemafunerário. Existe, na Constituição, alguma lei que assegure um sistema funerário de qualidade à população?

CF: A constituição brasileira consagra o princípio da dignidade da pessoa humana, que deve ser norteador de todo sistema legal infraconstitucional. O serviço funerário é classificado como essencial, e de competência e gestão de cada município, dado que diz respeito com necessidades imediatas do Município. C.F., art. 30, V.

Entre a teoria e o colapso de um sistema há um abismo, mas não se pode perder de vista que a família prejudicada neste direito humano poderá acionar o Estado judicialmente.