Diferentes versões de um vilão

Como Nicholson, Ledger e Phoenix deixaram suas marcas atuando como o Coringa

Com o recente lançamento de Coringa, estrelado por Joaquin Phoenix e dirigido por Todd Philips, muito tem se discutido sobre qual foi a melhor interpretação dedicada a este personagem. Cada um defende suas ideias de acordo com o que mais lhe agrada, que vai desde a complexidade com que o Palhaço do Crime é apresentada, até a admiração pelo ator que o fez. Sendo assim, a intenção deste artigo não é dizer ao leitor qual representação do Coringa é a melhor já realizada. Isto é opinião pessoal de cada um e queremos passar longe da arrogância de dizer qual você deve preferir. Nosso objetivo é apenas apresentar uma análise de grandes interpretações deste vilão para o cinema.

Batman (Tim Burton, 1989)

Começando pelo filme Batman (Tim Burton, 1989), Jack Nicholson foi o primeiro ator a interpretar o Coringa nos cinemas, não havendo nenhuma referência anterior ao personagem se não a atuação de César Romero para a série Batman, lançada décadas antes na TV dos Estados Unidos. A performance de Romero, porém, não combinaria em nada com o universo sombrio que Tim Burton trouxe para seu filme. Sendo assim, Jack Nicholson tinha que construir seu personagem baseado apenas no que se via nos quadrinhos da DC.

Para que não corresse o risco de se parecer exageradamente insano, Nicholson não absorveu o personagem, e sim, fez com que o Coringa o absorvesse baseado em alguns de seus papéis mais importantes. É fácil reconhecer, por exemplo, alguns trejeitos de suas atuações como Jack Torrance, de O Iluminado, ao longo do filme. Aquele olhar intimidador com apenas uma das sobrancelhas erguidas e seu tom sarcástico, este sendo um dos pontos característicos do ator em vários filmes, somados à gargalhada maníaca que o ator aplicou em sua atuação, trouxeram uma interpretação que deixou o vilão com o mesmo destaque que o próprio Batman em seu filme.

Motivado não só por sua vontade de cometer crimes, mas também pelo desejo de instaurar o caos em Gotham, este Coringa ainda tem um toque adicional à sua loucura. Tal detalhe é baseado na admiração do vilão pela repórter Vicky Vale, o que o leva a procurar chamar a atenção da donzela com abordagens um tanto quanto “diferenciadas” ao longo da história, como, durante uma parada em Gotham com o intuito de contaminar a cidade com seu gás do riso, distribuir dinheiro enquanto dança ao som de Prince.

Hoje, 30 anos depois do lançamento de Batman, esta ainda é considerada uma atuação clássica no cinema, com cenas e falas marcantes até hoje. Quem não se lembra do épico momento em que ele olha no espelho as marcas do acidente que o transformou no vilão como o conhecemos e solta sua gargalhada pela primeira vez?



Reprodução/Kboing


Batman: Cavaleiro das Trevas (Christopher Nolan, 2008)

Why so serious? Uma das falas mais marcantes em todo o filme Batman: Cavaleiro das Trevas (Christopher Nolan, 2008) foi dita por, também, um dos mais marcantes Coringas já interpretados. Para construção de seu papel, Heath Ledger, que ganhou um Oscar póstumo por sua atuação como o vilão, chegou a se trancar por dias em quartos de hotel, assistindo inúmeras vezes o filme Laranja Mecânica, ouvindo músicas punks com letras atormentadoras e pesquisando coisas que fariam um maníaco rir. Tal dedicação chegou a levantar a hipótese de que isso teria contribuído para um distúrbio psicológico que resultou em sua morte por overdose faltando apenas seis meses para a estreia do filme.

É extremamente difícil analisar sua atuação separando seu fim trágico aos 28 anos, mas o fato é que Ledger entregou um Coringa muito acima das expectativas da época. Com uma escolha muito mal vista, tanto por fãs quanto pelos críticos, havia no ar um certo receio de que o ator não estava à altura do personagem para o qual fora escolhido. Porém, esta dúvida ficou pra trás logo nos primeiros minutos em que aparece no filme.

Com a única intenção de propagar o caos e nada mais em Gotham City, este é um Coringa muito mais sombrio do que qualquer versão vista anteriormente, que enfrenta mafiosos, governo, justiça, aterroriza seus reféns com seus atos, elenca diferentes origens para suas cicatrizes, impõe dilemas éticos para toda a população e ainda faz tudo isso mostrando prazer através de sua risada sarcástica e maníaca, chegando a ofuscar o personagem principal do filme. Sim, Batman passou a ser coadjuvante em seu próprio filme diante deste Coringa.

Como Alfred Pennyworth, mordomo de Bruce Wayne, diz ao seu patrão, alguns homens só querem ver o circo pegar fogo, e é isso que Heath Ledger oferece de forma brilhante aos fãs das histórias do Homem Morcego: O caos.



Reprodução/Rolling Stone


Coringa  (Todd Philips, 2019)

Finalmente tratando as origens do vilão, ou pelo menos, de uma de suas inúmeras versões, em um filme somente para sua história, Joaquin Phoenix mostra em Coringa (Todd Philips, 2019) como a sociedade contribuiu para transformar um homem já atormentado psicologicamente em um dos maiores criminosos de Gotham.

Não bastasse a preparação para o papel, onde Phoenix emagreceu 23 kg, ensaiou suas diferentes risadas por quatro meses, treinou seu corpo imitando os movimentos de Fred Astaire e Frank Sinatra, ator e diretor ainda optaram por uma maquiagem para o vilão baseada no famoso palhaço assassino dos anos 1970, John Wayne Gacy, responsável pela morte de 33 pessoas nos Estados Unidos. Ou seja, a produção do filme já deixou claro desde o início que o filme seria um pouco mais pesado do que de costume.

Nesta versão da história, Arthur Fleck é um homem que sofre de um distúrbio onde não consegue segurar sua risada quando se encontra diante de alguma situação desconfortável, o que acaba trazendo diversos problemas para si. Um homem frustrado pessoal e profissionalmente e que se sente cada vez mais marginalizado pela sociedade e que, após inúmeros ataques e agressões, comete seu primeiro crime contra três jovens. Os rapazes, por sua vez, espancaram covardemente Arthur enquanto este, ainda vestido de palhaço, voltava rindo para casa depois de ser demitido.

Tais assassinatos provocam uma onde de manifestações de apoio da população carente de Gotham, que já estava à beira do caos devido a uma crise de saúde pública e desemprego, e faz com que Arthur, ainda que anonimamente, receba um pouco daquele reconhecimento que sempre buscou em sua sociedade. Estes movimentos tomam ainda mais força quando o bilionário Thomas Wayne afirma na TV que, assim como o assassino dos três jovens, todos são palhaços em Gotham. E é em meio a todo essa balbúrdia que Arthur se descobre. Agora ele sabe que seus atos influenciam a comunidade em que vive.

Antes de considerar justificar alguns atos do protagonista, é válido lembrar que, como toda a história é retratada através da visão deturpada do vilão, existem várias teorias sobre diferentes interpretações do filme, sobre o que é certo ou errado, sobre o que é real ou fruto da imaginação doentia de Arthur Fleck e seu Coringa.

Todd Philips acerta em cheio na produção do longa e vários prêmios já foram concedidos ao filme em diversos festivais pelo mundo. Críticos afirmam até mesmo que Joaquin Phoenix deve receber o prêmio da Academia por sua atuação.



Reprodução/CinePOP