O show tem que continuar

O showbusiness resistirá à pandemia, mas numa era pós-Covid terá de seguir algumas condições

Estados Unidos, maior potência econômica mundial. No território, existem organizações respeitadas em todo o planeta. De lá parece sair o que tem de melhor na criação de um lugar perfeito. Contudo, isso não foi o suficiente para salvá-lo da pandemia de Covid-19. Em janeiro, o país registrou os primeiros casos positivos de coronavírus, dando início à epidemia no país.

Hoje, com mais de 100 mil mortos e acima de 1 milhão de contaminados, os Estados Unidos vivem uma grave crise. Parte dessa anormalidade foi sentida pela indústria do entretenimento, a qual foi abruptamente surpreendida com a pandemia. Em 09 de março, mais de dois meses após os primeiros registros da doença no país, os organizadores do Coachella Valley Music and Arts Festival sugeriram aos destaques do evento para adiar o festival. Em 10 de março, o veredicto: a festividade seria remarcada.

Dois dias depois, em 12 de março, a Live Nation e a AEG, duas das maiores produtoras de shows do país fizeram uma ação conjunta que previa a suspensão das turnês de todos os seus artistas até, inicialmente, o mês de abril. Como resultado, a revista Pollstar fez algumas estimativas. O mercado estadunidense de música ao vivo poderia gerar, em 2020, US$ 12,2 bi.

Por conta do coronavírus, porém, se os grandes shows voltarem a acontecer em agosto, a publicação prevê que o mercado conquiste um prejuízo de US$ 5,2 bi para este ano. Se o retorno dessa atividade só acontecer em dezembro, a perda pode chegar a US$ 8,9 bi.

A exatos 7.308 km de distância está o Brasil, país que foi receber o seu primeiro caso positivo de coronavírus também no fim de janeiro. Hoje, de acordo com o Ministério da Saúde, a pandemia já levou a óbito mais de 29 mil pessoas e contaminou mais de 514 mil.

Esses números são os resultados da falta de uma gestão de saúde pública eficiente, ocasionada pela propagação, por parte do presidente Jair Messias Bolsonaro, da ideia de negação do vírus. Como resultado disso, a OMS (Organização Mundial da Saúde) elegeu o país como o novo epicentro mundial da pandemia.

Essa nova realidade a que o Brasil se encontra irá afetar a relação do país com os grandes shows internacionais, os quais antes da pandemia inseriam com frequência a terra tupiniquim em suas agendas.

De acordo com a fundadora da Honorsounds, startup que produz shows e eventos em parceria com artistas, Damaris Hoffman, esse volume de atrações vai diminuir não só pela questão de como a pandemia está sendo tratada no território nacional, mas também por conta da visão do mercado internacional a respeito do surto e de seus respectivos riscos de contágio.

“O mercado de shows internacionais, assim como o circuito dos grandes shows, foi financeiramente e estruturalmente muito afetado, fazendo com que ele precise se reinventar”, constata. “É cedo para falar no tamanho do impacto, mas já podemos dizer que [no futuro o setor de grandes shows] não vai ser igual”, conclui. 

Apesar de apresentarem cenários diferentes em relação à Covid-19, Brasil e Estados Unidos têm uma coisa em comum: a crise no ramo da música e do entretenimento, algo que foi trazido como um efeito dominó da potência mundial para a terra tupiniquim.

Diferente dos EUA, porém, o impacto da tensão nesses mercados fez com que, de acordo com levantamento do núcleo de pesquisa da Semana Internacional de Música de São Paulo, Data Sim, o território nacional alcançasse um prejuízo de R$ 480 milhões.

A exemplo disso está o que aconteceu com a Time For Fun, ou T4F, importante produtora de shows do Brasil. Apenas no primeiro trimestre, por conta do cancelamento de eventos e do menor número de performances, a empresa observou uma queda de 73% em sua receita. Logo, o lucro da T4F diminuiu 92% em comparação com o mesmo período do ano anterior, passando de R$ 86,3 milhões para R$ 6,5 milhões.

“O ano está praticamente anulado no que diz respeito à economia voltar ao normal, então pode-se dizer que o prejuízo já está sendo e será enorme”, diz o produtor musical Tadeu Patolla.

Apesar disso, existem maneiras de se amenizar os impactos negativos da pandemia. A medida tomada pelo presidente francês Emmanuel Macron é um exemplo. Em 06 de maio, Macron anunciou um plano de recuperação para o setor cultural da França, o qual prevê um sistema de remuneração dos artistas, produtores e técnicos das artes até agosto de 2021. Além disso, criou um fundo de indenização para todos os profissionais do audiovisual francês cujas produções foram canceladas devido à pandemia.

No Brasil, por sua vez, existe o auxílio emergencial, um benefício destinado aos trabalhadores informais, microempreendedores individuais, autônomos e pessoas de baixa renda. Oferecido pelo Governo Federal em parceria com o banco Caixa Econômica Federal, ele prevê o pagamento de R$ 600 durante três meses aos beneficiários. É, com isso, que a ex-secretária da cultura, Regina Duarte, se apoiava ao afirmar estar ajudando a comunidade cultural brasileira.

Outra medida que assegura a manutenção da comunidade artística no Brasil é a chamada Lei Aldir Blanc. Nomeado em homenagem ao compositor e cronista homônimo morto em 04 de maio em decorrência da Covid-19, o texto foi aprovado em 26 de maio pela Câmara dos Deputados e agora segue para o Senado. O projeto de lei prevê a destinação de R$ 3,6 bilhões da União para o setor cultural brasileiro, devido a pademia de coronavírus.

Dentro dessa comunidade estão, entre outros membros, músicos e cantores. Apesar de assumirem funções glamurizadas, eles são trabalhadores comuns que também se viram prejudicados pela pandemia. Afinal, os shows ao vivo, que são a maneira que mais gera lucro a esses profissionais, tiveram de ser cancelados sem nem ao menos ter uma previsão de retorno certa.

“É realmente bem complicado! Muitos músicos tiveram prejuízos ainda maiores, pois realizaram investimentos altos para produzir e promover seus shows”, comenta a vocalista do grupo Lyria, Aline Happ

Foto: iStockShowbusiness ressurgindo

Atualmente, a doença Covid-19 levou a óbito, ao redor do mundo, mais de 370 mil pessoas. De acordo com a jornalista independente especializada em saúde pública, saúde global e política alimentar, Maryn McKenna, o planeta Terra está vivendo apenas o fim da primeira fase da pandemia. Mesmo assim, nos Estados Unidos já é possível observar o retorno da atividade do mercado musical.

Realizada em 18 de maio na casa de shows Temple Live, com capacidade para mil pessoas, a apresentação de Travis McCready, que contou com abertura de Lauren Brown, de fato ocorreu. Contudo, para que ela fosse efetivada, teve de seguir alguns critérios de proteção à saúde pública.

Como resultado, apenas 200 ingressos foram vendidos. Na entrada, cada pagante teve a temperatura medida e só pôde entrar no estabelecimento se estivesse usando máscara. Já no ambiente interno, frascos de álcool em gel foram distribuídos e os assentos, demarcados. Além disso, para garantir o espaçamento entre as pessoas, o chão foi marcado até mesmo no banheiro. Isso mostra a tentativa de os Estados Unidos retomarem seu mercado de entretenimento e música ao vivo, mas um tempo longo ainda deve ser percorrido para que a normalidade seja alcançada.

“Alguns países estão começando a encontrar um novo normal para viver, mas ainda vão levar entre quatro e cinco meses para que, de fato, as atividades voltem ao seu estágio natural ainda que seja com restrições e com novos hábitos”, contrapõe a fundadora da Honorsounds, Damaris Hoffman.

No caso do Brasil, para que os shows ao vivo sobrevivam, cenário parecido é vislumbrado. Para o produtor musical Celo Oliveira, muito provavelmente medidas de segurança e distanciamento serão devidamente adotadas. Talvez a estrutura dos lugares exija o uso de máscaras e muito provavelmente sejam disponibilizados aparelhos com álcool em gel para as pessoas se higienizarem ao entrarem no local do show.

Foto: Oscar Del Pozo | AFPEssas medidas não assegurarão apenas a segurança do público, mas também a dos músicos, que são a ponta do showbusiness. É por meio deles, que apresentam seus novos álbuns e suas novas composições a plateias de diferentes nacionalidades, que o dinheiro circula por toda a indústria fonográfica. Sem eles, portanto, não tem mercado. Por isso, pensar na proteção mútua artista-público é essencial.

Para o baterista e produtor da banda Malta, Adriano Daga, haverá, sim, um maior distanciamento entre o público e o artista, algo que, segundo ele, já é observado em locais da Europa e EUA: “Nesses lugares se respeita o distanciamento. Acho muito melhor também”, opina.

Para Daga, respeitar o espaço individual é uma atitude que deve ser adotada tanto pelos músicos como pelos fãs para garantir a mútua segurança. “No meio de tantas turnês da Malta um de nós [integrantes] pegou caxumba, o outro pegou uma gripe muito forte... Isso porque você tem que abraçar todo mundo, mesmo se está suado”, conta. “Às vezes você pode estar com alguma coisa e passar pra pessoa, então não é justo isso... Nem a gente com a pessoa, nem a pessoa com a gente”, lamenta.

Por outro lado, a cantora do grupo Lyria, Aline Happ, tem uma visão diferente. Para ela, com o tempo as regras serão menos restritivas e esse tipo de receio com aglomerações também irá passar. Contudo, mesmo que as coisas retomem seu curso normal, o produtor musical Celo Oliveira espera apenas que a realidade trazida pelo coronavírus não faça a população nacional perder o interesse pela área cultural.

 “O que podemos esperar, e até mesmo torcer, é para que todo esse impacto em tudo que está acontecendo, não somente pela pandemia, mas pela precarização do sistema de educação e praticamente extinção do incentivo à arte no Brasil, não tire das pessoas a sensibilidade de prestigiar um bom show, de se emocionarem ouvindo música, ir ao teatro, frequentar lugares culturais, consumir cultura e arte no geral”, reflete Celo.