Soft Skills: o futuro das contratações profissionais

De acordo com a consultora Daniela Gonçalves, é preciso se atualizar constantemente para alcançar o sucesso

Por um longo período, muitos profissionais foram contratados pelos seus currículos e demitidos por causa das suas atitudes. Com isso, o setor empresarial passou a se adaptar e a cada vez mais avaliar o aspecto comportamental de seus futuros colaboradores. Afinal, tratando-se de uma longa parceria, não apenas as qualidades intelectuais serão importantes, mas, principalmente, a capacidade de adaptação, convivência, liderança e assim por diante.

De acordo com pesquisa realizada em 2018 pela Page Personnel, consultoria global de recrutamento para cargos de nível técnico e suporte à gestão, 89% dos recrutadores acreditam que a entrevista comportamental é importante. Além disso, um dos principais fatores que levam à demissão (voluntária ou involuntária) é a inadequação ao perfil da empresa, o que demonstra a necessidade de conhecer e evoluir junto do local de trabalho.

Para a melhor compreensão sobre esse assunto e o que deve ser agregado para conseguir destaque no mercado de trabalho, o jornal O Prefácio conversou com a consultora Daniela Gonçalves, fundadora da Veraque Treinamento e Desenvolvimento Humano e Organizacional, que destacou a importância do aprendizado contínuo e o desenvolvimento de habilidades comportamentais para o sucesso na carreira.

Confira a seguir a entrevista na íntegra:

OP: Com 18 anos de experiência profissional, você passou por aprendizados enriquecedores que unem o contexto administrativo com a importância do aspecto comportamental. Diante disso, conte-nos um pouco sobre a sua trajetória profissional.

DG: Minha trajetória profissional começou aos 17 anos quando iniciei a graduação em Administração de Foto: Arquivo pessoalEmpresas e comecei a atuar como estagiária de RH. Com o passar dos anos, fui me apaixonando cada vez mais pelos desafios que envolviam o ato de gerenciar negócios, pessoas ou recursos, para alcançar metas definidas.

Porém, percebi que todo este contexto administrativo só traria resultados significativos se estivessem alinhados aos aspectos comportamentais. Eis então que, avançando na linha do tempo, acabei me tornando Especialista em Treinamento de Fatores Humanos, constatando que era através da conexão entre as pessoas que a “engrenagem giraria”.

Diante deste cenário, lembro com orgulho de todo o trajeto que percorri nos últimos anos. Tive a oportunidade de conhecer vários estados do Brasil e diversos países; também pude vivenciar uma experiência única: ter sido expatriada e morado por dois anos em Santiago do Chile para atuar como Head de Treinamento da maior empresa aérea da América Latina. Outro marco importante desta narrativa é que há três anos assumi o protagonismo da gestão da minha carreira e idealizei a minha própria consultoria, a Veraque Treinamento e Desenvolvimento Humano e Organizacional.

Em resumo, descrevo a minha trajetória profissional como uma linda história de superação, aprendizado e escolhas que impactaram positivamente em meu atual momento e qualidade de vida. E tem mais, continuo prospectando novos horizontes, que incluem o envolvimento com atividades acadêmicas e projetos sociais relacionados a capacitação profissional. Sinto que estou no caminho certo!

OP: Por um longo período você atuou em uma empresa aérea realizando atividades relacionadas ao treinamento não técnico de colaboradores. Qual a importância desse tipo de prática para os profissionais da aviação?

DG: Atuar na aviação é encantador e ainda preserva um certo glamour, mas na prática é também estar ciente de que as experiências laborais giram em torno de um ambiente altamente complexo, dinâmico, regulado por normas e, ao mesmo tempo, imprevisível.

Para que um avião decole no horário, por exemplo, existem multiprofissionais trabalhando em linha de frente e no backoffice, cada um com seus respectivos conhecimentos desempenhando suas atividades com eficiência e eficácia em prol da qualidade e segurança, tão essências para o sucesso do negócio aéreo e experiência do passageiro.

Dessa maneira, é certo que os colaboradores precisam desenvolver habilidades técnicas, como adesão a procedimentos, disciplina operacional, entre outras que são inerentes ao escopo de atuação. Porém, os funcionários também necessitam aprimorar habilidades não técnicas, mais conhecidas como comportamentais, como comunicação assertiva, consciência situacional, velocidade de resposta, flexibilidade, trabalho em equipe, entre outras habilidades que são abordadas durante os treinamentos de Corporate Resource Management (CRM) – Gerenciamento de Recursos das Equipes, obrigatório na indústria aeronáutica.

Por este motivo, esta capacitação se torna extremamente relevante aos profissionais, sejam eles aeronautas (pilotos e comissários de bordo, também denominados tripulantes) ou aeroviários (colaboradores que desempenham tarefas em solo).

OP: Cada vez mais empresas contratam pessoas com base em suas atitudes comportamentais. Existe alguma maneira para melhorar essas habilidades, para que, consequentemente, o desempenho profissional fique mais adequado? Se sim, qual?

DG: Sim, e a melhor maneira é ser um eterno aprendiz. Em outras palavras, praticar a filosofia Lifelong Learner (aprendizado ao longo da vida). Os profissionais, estejam eles em início de carreira ou não, precisam estar preparados para as mudanças significativas que estão ocorrendo no mundo VUCA* (sic). Portanto, é de extrema importância manter-se constantemente atualizado e buscar o desenvolvimento contínuo, o qual só ajuda a melhorar o desempenho profissional. Temos que aceitar que tudo que nos trouxe até aqui não é garantia de sucesso para o futuro e que mudar requer atitude.

Há dois anos, por exemplo, um levantamento da Page Personnel já mostrava que “Nove em cada 10 profissionais são contratados pelo perfil técnico e demitidos pelo perfil comportamental.” O relatório Global Talent Trends 2019 do Linked In cita que 92% dos profissionais de Talent Acquisition relataram que as soft skills (habilidades comportamentais) são igualmente ou mais valorizadas que as hard skills (habilidades técnicas) na hora de contratar.

Esses dados evidenciam que cada vez mais precisamos aprimorar nossas habilidades sociais. Portanto, recomendo que saiamos de nossas zonas de conforto e busquemos iniciativas que promovam não só conhecimento, mas principalmente network, pois o contato com outros profissionais propicia troca de experiências, compartilhamento de ideias e pode resultar até mesmo em oportunidades de novos negócios, além de desenvolvimento profissional e pessoal.

*VUCA: acrônimo de Volatility, Uncertainty, Complexity, Ambiguity; traduzindo, um mundo repleto de Volatilidade, Incerteza, Complexidade e Ambiguidade.

OP: Inúmeras áreas que possuem contato direto com o público necessitam aprender a lidar com o fator humano. Entretanto, muitas vezes isso se torna ausente. Que atitude você classificaria como determinante para um colaborador que deseja lidar com pessoas?

DG: Essa respondo sem rodeios: atitude empática, por acreditar que é o grande diferencial dos profissionais de sucesso.

Empatia pode ser definida como a habilidade de se colocar no lugar do outro, se identificar com uma ideia, propósito ou objetivo. Ao incorporá-la nas estratégias e políticas empresariais, as pessoas começam a ser ouvidas, compreendidas e desenvolvidas, portanto os modelos de negócios se tornam mais duradouros.

Em resumo, profissionais que possuem contato direto com o público e que por isso necessitam aprender a lidar com o fator humano precisam fazer uso da empatia. Ao colocá-la em prática, trabalharão melhor em times e superarão desafios, além de desenvolver uma abordagem mais humanizada através de suas ações, agregar valor às relações e, consequentemente, propiciar tangibilidade aos resultados da organização.

Gosto muito de falar sobre este tema – a empatia – que por curiosidade é a tradução de Veraque (palavra em latim) e foi por este motivo que escolhi este nome para a minha consultoria.

OP: Para finalizar, quais são as principais habilidades comportamentais (soft skills) que precisamos desenvolver para alcançar sucesso em nossas trajetórias profissionais?

DG: Em minha opinião, ainda que tenhamos a geração de novos postos de trabalho que demandem forte interação com a tecnologia, as soft skills sempre serão essenciais. As mais valorizadas, por sua vez, serão aquelas relacionadas a habilidades com pessoas, como gestão de time multiprofissional e empatia.

O Fórum Econômico Mundial, por exemplo, cita algumas habilidades que se destacam em 2020, tais como gestão de pessoas, criatividade, negociação, resolução de problemas complexos, entre outras. E para 2030, skills como elasticidade mental, inteligência emocional, conhecimento interdisciplinar, comunicação positiva e pensamento crítico já estão sendo consideradas para compor a lista das 10 mais a serem desenvolvidas.

Em resumo, assim como um programador de software precisa ser assertivo para se comunicar com o gerente de projetos que deseja implementar um sistema no RH, os profissionais das áreas de humanas também precisam saber interpretar dados analíticos. Vemos então que as conexões são céleres e híbridas, portanto tudo que se complementa requer interação humana.

A evidência disso é a evolução da Indústria 4.0 para a Sociedade 5.0 – esta última com suas melhores práticas já sendo compartilhadas entre executivos, empreendedores, pesquisadores e governos, com o objetivo de fazer com que a tecnologia não seja vista como ameaça, mas sim se torne forte aliada do ser humano, proporcionando avanços em qualidade de vida, inclusão e sustentabilidade.

Nos últimos meses, por exemplo, diante da obrigação do isolamento social, devido a pandemia de coronavírus, percebemos um aumento significativo em processos de transformação digital. Assim, muitas empresas se viram obrigadas a adaptarem suas tecnologias para que fosse possível continuar entregando seus produtos e serviços aos clientes. Com isso, alguns colaboradores que antes não tinham a prática de exercer home-office, também tiveram que se adaptar a este novo mundo. Por fim, é nítido que a relação homem-máquina está em constante evolução e que sempre teremos oportunidades para o aprendizado e o aprimoramento contínuo.