Parceria entre Som Livre e Los Pantchos reafirma a força do funk na sociedade brasileira

O gênero de sertanejo universitário fala com seu público. Em contrapartida, ritmos como rock, soul e jazz perderam a conexão com seus fãs

O selo musical nacional Som Livre fecha parceria com a produtora de funk Los Pantchos. Firmado em julho, a colaboração entre as empresas lançou luz à força que o funk exerce sobre a sociedade nacional e sobre sua consequente popularidade nos streamings e rádio.

Fato é comprovado ao se observar que Thiaguinho MT, um dos artistas do casting da Los Pantchos, ultrapassou, com a música “Tudo OK”, a marca de 170 milhões de visualizações no YouTube durante o Carnaval deste ano. Além dele, MC Kátia, outra integrante do selo, teve o vídeo de sua música “Ata Vai Me Pegar” compartilhado mais de 380 mil vezes no aplicativo Tik Tok.

Por conta disso, o gerente de artístico e repertório da Som Livre, Rogério Oliveira, afirma que a parceria entre as empresas segue, de forma estratégica, a recente popularidade dos subgêneros do funk. Seguindo essa premissa, como primeiro ato consumado dessa parceria, foi lançado, em 24 de julho, o remix de "Melhorar Meu Dia", música de MC Jacaré com produção de JS O Mão de Ouro.

Para o cientista social e antropólogo Murilo Gelain Gonçalves, enquanto um fenômeno artístico-cultural voltado para o entretenimento, se constata que é raro haver uma festa em que não toque funk e que, se perguntarmos aos jovens, verificamos que o gênero é um dos principais tipos de música que esse público consome.

“Não tem como negar o valor do funk dentro do cenário musical, mesmo ele tendo perdido espaço se compararmos ao que era há alguns anos”, comenta.

A força que o funk tem no Brasil pode até mesmo ser observada em pesquisas, como a feita pela Spotify em 2019. O estudo da plataforma de streaming detectou que, dos artistas mais ouvidos da última década no Brasil, a cantora Anitta figura entre os 10 primeiros.

Se analisado de outro ângulo, porém, se percebe que a cantora figura entre os tops três dos artistas mais ouvidos no Brasil em 2019. “O funk já se consagrou como um gênero musical popular legítimo. Não temos nada no Brasil mais dançante e contagiante!”, destaca Gelain.

Baile funk | Foto: Reprodução da InternetContudo, o funk não é o estilo musical mais ouvido pelos brasileiros. Em verdade, ele perde apenas para o sertanejo universitário. A mesma pesquisa feita pelo Spotify detectou que Jorge & Mateus e Felipe Araújo, ambos expoentes do gênero, figuram entre os três artistas mais ouvidos da década no país.

O mesmo pode ser observado ao se analisar o recorte de 2019. O estudo identificou que artistas do sertanejo universitário, como Marília Mendonça e Zé Neto & Cristiano figuram entre os dois mais ouvidos pelos brasileiros no ano. “Eu acho que o sertanejo é muito versátil e é um gênero bastante desprovido de preconceito”, avalia a consultora em direitos autorais Bruna Campos.

Segundo ela, as pessoas que eram do interior e que foram para os grandes centros estudar levaram consigo o estilo musical e colaboraram, de certa forma, com sua modernização ao consumir esse novo sertanejo que os artistas e duplas trouxeram de 2006 em diante.

“Por conta de o sertanejo ter essa entrada nas universidades, ele também teve muita mistura com outros estilos, o que o fez ganhar a atenção de pessoas que até então não escutavam o gênero”, explica Bruna.

Por outro lado, no universo musical também existem gêneros que já obtiveram sua glória no passado e hoje se veem fora da agenda radiofônica e, logo, acabam ficando aquém do alcance popular e das playlists divulgadas pelas plataformas de streaming. O rock é um exemplo.

Foto: PixabayFora das paradas de sucesso desde a chegada dos anos 2000, quando Elton John perdeu o pódio de discos mais vendidos para a boyband estadunidense The Backstreet Boys, o rock se tornou um estilo marginal. “Por uma questão quantitativa, o que a gente percebe é que o rock perdeu significado na vida das pessoas porque ele elitizou”, observa o guitarrista, multi-instrumentista e mestre em produção musical Heraldo Paarmann.

Apesar de o rock ser o mais comentado dos gêneros suburbanos, ele não é o único a ser excluído da pauta musical radiofônica. O jazz e o soul, tidos como os pais do rock n’ roll, também se encontram na mesma situação. E uma das razões para essa realidade comum foi observada por alguém que não integra o ambiente musical.

Foi o jornalista e especialista em mídias digitais, Maurício Gaia, quem fez a análise em uma matéria sobre os Racionais MC’s publicada em fevereiro de 2019 no blog Combate Rock, parceiro do UOL. “No texto ele diz assim ‘(...) outra coisa que fez com que o rock nacional fosse colocado de lado foi que muitos destes artistas deixaram de se comunicar com o público’. Então, é como costumo dizer: o rock se afastou das pessoas, deixou de ser a voz das pessoas. Talvez isso também se estenda para outros gêneros”, lamenta Paarmann.

Por essa razão é que se intensifica o desafio que não apenas o rock, mas o jazz e o soul também encontram para se manter na rotina das execuções das rádios. Afinal, sem o apelo do público as empresas radiofônicas não têm motivos para divulgar certos estilos musicais e canções. “Sem conhecer o público o jazz, o soul e o rock não aumentam a fanbase. Sem uma grande fanbase eles não têm investimento e sem investimento eles não tocam nas rádios. É tudo uma soma!”, analisa a consultora em direitos autorais Bruna Campos.

Por fim, se não houver união entre público e artista e se, da mesma maneira, as músicas não chegarem às rádios, a única maneira de um gênero musical sobreviver será pelas referências geracionais. Contudo, o cientista social e antropólogo Murilo Gelain Gonçalves sustenta que sempre vai existir algo a ser descoberto.

Para ele, não existe a possibilidade de não haver mais referência. “A todo momento se criam e se descobrem coisas novas em termos de música, e o sincretismo é a forma em que o diálogo e a renovação ocorrem nesse universo”, pontua o cientista social e antropólogo.