O Rock e o universo fonográfico nacional da atualidade

Desde a década de 80 o mercado da música vem se reinventando, mas ainda está longe do ideal

Se voltarmos no passado, descobriremos que a música é algo imensurável e talvez até difícil de definir quando esse termo, que designa uma experiência quase extrassensorial por parte de quem a pratica, surgiu. Contudo, a palavra “música” abriga diversos e incontáveis ritmos e gêneros mundo afora, mas é inegável que existam alguns que podem ser considerados seus protagonistas.

Talvez aquele que seja mais potente em sua essência e que ao mesmo tempo cause sentimentos opostos como amor e ódio seja o Rock and Roll. Assim como escreveu o autor Ayrton Mugnaini Jr. em seu livro Breve História do Rock, o gênero assume a forma da música mais aceita em todo o planeta.

Mas para compreender esse estilo musical é preciso fazer o que foi dito anteriormente, voltar no tempo. Dessa forma, chegamos ao ano de 1922, momento em que as palavras “rock” e “roll” apareceram pela primeira vez em uma composição sonora chamada My Baby Rocks Me with One Steady Roll, da cantora blues Trixie Smith. Porém, a data oficial do surgimento do gênero demoraria um pouco mais para chegar.

Foi enfim em 1954, ano da fundação da Capitol Records, que o Rock and Roll surgiu. Filho pródigo dos Estados Unidos, ele nasceu da fusão do blues e do jazz, ingredientes poucos, mas suficientes para fazê-lo germinar, além de subgêneros que dominam a indústria fonográfica mundial até os dias de hoje, uma identidade forte.

“Pra mim rock é estilo de vida. É um gênero que representa atitude e força. Então, pra mim, rock é uma enorme parcela da minha vida!”, declara o baterista do grupo de hardcore paulistano CPM 22, Japinha.

Há 7,2 mil km de distância está o Brasil, país que foi começar a sofrer influências do gênero apenas no final da década de 60, momento em que o país vivia, em sua camada cultural, o movimento conhecido como Tropicalismo. Foi nele, um período marcado pelas influências das culturas pop nacional e estrangeiras, que surgiram aqueles grupos que podem ser considerados os pioneiros do rock brasileiro, Os Mutantes e Novos Baianos.

É certo que enquanto o segundo abrigava sonoridade com várias referências aos ritmos nacionais, como samba, MPB e outros de origem nordestina, o primeiro trazia em sua essência influências sonoras externas, como o rock psicodélico e o rock progressivo. Foi dele que saiu uma peça importante para um período que estava prestes a surgir, a cantora Rita Lee. Expulsa do grupo em 1972, ela foi consagrada, assim como apontou o saudoso jornalista Ezequiel Neves, como uma das mais importantes artistas musicais do país. Fora isso, Neves defendeu que Rita foi reconhecida por falar para o público jovem, esquecido durante o período, mas que teria protagonismo anos depois.

Esse tal protagonismo nasceu com a geração dos anos 80. Marcada pelo destaque do jovem, que se sentia, mais do que nunca, representado pelas músicas do momento, ela se via cansada da MPB, Bossa Nova ou até mesmo do Tropicalismo. Dessa forma, 26 anos após o seu surgimento oficial no cenário fonográfico global, o rock teve seu momento no Brasil.

A década de 80 representou um grande fervor tanto para a população quanto pela comunidade artística. Enquanto se tinha as incertezas por parte do governo e o movimento em prol da eleição direta conhecido como Diretas Já!, o universo musical sofreu uma separação. Por um lado se tinha o time do rock descompromissado e leve, defendido por grupos como Blitz, Premeditando o Breque e Ultraje a Rigor; de outro, se tinha o time mais sério e politizado defendido por nomes como Barão Vermelho, Legião Urbana e Plebe Rude.

Foto: Brasil EscolaNa interseção dos dois times estava Os Paralamas do Sucesso, grupo que uniu referências jamaicanas ao formato do rock já muito usado no Brasil. Para alguns, portanto, o estilo criado pela banda pode até ser definido como sendo o rock verdadeiramente brasileiro por conta dessas fusões. Outros estudiosos, porém, veem esse cenário com outros olhos. 

“Não acho que os Paralamas tenham criado um rock verdadeiramente brasileiro. Acredito, sim, que esse rock seja fruto do Tropicalismo”, opina o jornalista e escritor Ricardo Alexandre. “O que eu acho que aconteceu é que, com a abertura política e os anos 80, o Brasil quis se inserir no mundo. Então era importante que, nesse processo, as bandas buscassem essas referências”, esclarece.

A verdade é que o Brasil como um todo, antes mesmo de Os Paralamas do Sucesso surgirem, já colecionava estilos musicais próprios, o que garantia ao cenário fonográfico local uma autonomia sonora frente os outros mercados. Havia a MPB, a Jovem Guarda, e o Tropicalismo como movimentos culturais fortes. Paralelamente e com uma visão mais regional, havia o forró, o xote e o xaxado, que também permitiam uma autonomia rítmica ao país. 

“Essa autonomia foi excelente! Acredito que ainda seja, porque tornou o Brasil um país com identidade/DNA musical fortemente reconhecido internacionalmente”, supõe a sócia-diretora da Apta Produtora, Priscilla Reis. “Temos sonoridade notável, conhecida em qualquer lugar do planeta. Ufanismo? Não! Constatação!”, enaltece.

Juntamente a esse cenário culturalmente fértil, o Brasil vivia na década de oitenta um período de incertezas porque, na época, existia grande tensão devido à possibilidade de uma interrupção na abertura democrática em andamento.  Fora isso, houve dois momentos marcantes tanto para os jovens quanto para o restante da população do país.

O primeiro deles foi a vitória de Tancredo Neves, o primeiro presidente civil desde João Goulart, nas urnas presidenciais. O feito posteriormente ficou conhecido como uma das mais complexas e bem-sucedidas obras de engenharia política da história do Brasil. O segundo momento foi um caso fatídico que foi marcado pelo falecimento do presidente eleito antes mesmo de ser empossado do cargo. Como consequência, o vice-presidente José Sarney foi quem assumiu a função e cumpriu com a promessa de campanha de Neves, que consistia no encaminhamento da Mensagem 330 ao Congresso Nacional, documento que propunha a convocação da Constituinte, culminando, posteriormente, no início da elaboração da Nova Constituição Brasileira, de 1988.

Mesmo imerso em tanta incerteza e temores sociais por parte da política, o país recebeu, em janeiro de 1985, a primeira edição do Rock in Rio. Durante nove dias, a antiga Cidade do Rock, localizada no bairro carioca de Jacarepauá, recebeu nomes do universo nacional como Baby Consuelo, Pepeu Gomes, Lulu Santos,Blitz e Os Paralamas do Sucesso. Este último, apesar de ter se apresentado a um público de 20 mil pessoas apenas com Herbert Vianna, Bi Ribeiro e João Barone, sem músicos de apoio, e munido de palmeiras de papelão, foi o destaque daquela noite de 13 de janeiro de 1985.

Atualmente

Fazendo uma viagem temporal de 29 anos para o futuro, no quesito musical e cultural o Brasil viu muita coisa mudar. Antes, na década de 80, alguns lugares detinham grande importância para o cenário sonoro brasileiro. A exemplos disso havia o Lira Paulistana, que foi marco da Vanguarda Paulistana, um movimento marcado pela criação de músicas com um estilo de canto falado; e o Circo Voador, o qual foi palco da criação de grupos musicais notórios, como Barão Vermelho e Blitz. “A falta de estruturas semelhantes explica a importância de lugares como Lira ou Circo. Quem tinha um olho era rei!”, lembra o jornalista e editor do PopLoad, Lúcio Ribeiro. “O Circo Voador, mesmo, continua importante, mas está longe de ser o único”, contrapõe.

Foto: Bafafa De fato o Circo Voador prossegue com sua importância no cenário musical e de cultura pop. O local, além de já ter sido palco de shows internacionais como Epica, EagleEye Cherry e Scott Stapp, continua dando espaço para que as bandas nacionais também se apresentem lá, como é o caso do Raimundos, Skank, Barão Vermelho e nomes da nova leva de artistas, como Duda Beat, Clarice Falcão e Céu.

A mudança cultural ocorrida no Brasil no passar dos anos, portanto, tem como prova a própria lista de bandas que se apresentam no icônico local. Por um lado, ela mostra que o rock, mesmo com menor força, ainda está presente no gosto popular e, de outro, que expoentes de diferentes ritmos também estão ganhando igual espaço.

Mesmo assim, é notável que o rock perdeu importância no cenário musical nacional e que, portanto, fica difícil existir, nos dias de hoje, uma figura que, assim como fez a Rita Lee nos anos 80, assuma um papel de importância na cultura popular do país.

 “Acho difícil hoje que surja fenômeno parecido com Rita ou Novos Baianos, ou ainda, Raul. Mas se surgir e tiver força popular, pode, sim, fazer com que o rock recupere terreno. Eu adoraria que esse milagre acontecesse de novo!”, opina o editor-chefe do site de entretenimento Reverb, Pedro Só.

Mas o rock em si também sofreu mudanças. Enquanto na década de 80 os músicos compunham canções no idioma natal para angariar espaço no concorrido ambiente mainstream, atualmente, com a chegada do streaming, a necessidade e a facilidade de conseguir se destacar além do território nacional se tornaram algo mais-do-mesmo. Um resultado desse cenário é o surgimento de bandas independentes que se apoiam no inglês na tentativa do sucesso internacional.

O curioso é notar que esse recorte específico do cenário musical brasileiro atual está buscando reviver a fórmula usada pelo Sepultura em seu início de carreira. Naquele momento, o grupo mineiro foi na contramão de tudo aquilo que era consumido culturalmente no Brasil e, ousando uma sonoridade mais pesada e voltada integralmente no idioma inglês, iniciou uma empreitada de marketing pessoal no ambiente mainstream internacional. Como resultado, hoje o grupo vive os frutos lucrativos desse projeto.

Contudo, mesmo que as bandas atuais inconscientemente estejam tentando refazer a fórmula do Sepultura, é preciso pensar se hoje é necessário falar inglês para ser ouvido no exterior. “Não concordo que precisa cantar em inglês para fazer sucesso em outro país. Acho que o que é preciso hoje em dia para você conseguir uma relevância internacional é fazer um trabalho de competência e contar com uma equipe competente para fazer um projeto de divulgação que te garanta um grande alcance”, contrapõe a produtora musical Gabriela Terra. Para ela, portanto, atualmente é o próprio português que assume função de um grande divulgador, sendo, então, uma boa opção ante o inglês. “Penso que a música brasileira está tão em alta no mundo que compor em português seja mais vantajoso para sua arte se expandir do que fazê-lo num inglês mal feito”, destaca.

Realmente o streaming tornou o processo de divulgação mais fácil, uma vez que basta produzir um material e coloca-lo nas plataformas para que um grupo musical passe a ser ouvido e conhecido para além de seu território de origem. Contudo, não é só essa a realidade imposta pelo streaming. Ele acabou transformando a forma como se consome música e o resultado disso foi a sua inevitável inclusão no fluxo do lucro da indústria sonora. Agora, para o artista, a ordem do maior para o menor lucro, na maior parte das vezes, ficou sendo: Show – Visualizações no YouTube – Streaming – Venda física.

Foto: Olhar Digital
Por estar inserido em um ambiente digital, o streaming acaba sendo um exemplo do comportamento do jovem atual. Visto isso, assim como no passado havia artistas que se comunicavam melhor com o público jovem, sendo a Rita Lee um exemplo disso, hoje essa qualidade gera discussões.

“Acho que essa condição de porta-voz da juventude não existe e não cabe mais na visão polifônica e pulverizada de hoje, era das redes sociais”, supõe o editor-chefe do site de entretenimento Reverb, Pedro Só. Para o baterista do grupo de hardcore paulistano CPM 22, Japinha, porém, o ambiente musical brasileiro é amplo e essa voz da juventude pode estar na ativa em um dos inúmeros gêneros sonoros em exercício no país. “Fora o Chorão, que infelizmente já morreu, acredito que hoje exista um artista que tenha a capacidade de roubar a mente do jovem, que é o Mano Brown. Quando se ouve o que ele fala, você fica hipnotizado, encantado e inspirado pelas suas poesias”, comenta.

Música e Governo

Sendo jovem ou não, a música é um produto que atravessa gerações e, independente do gênero, ela sempre será consumida. Claro que, como qualquer outro setor da indústria de um país, o mercado musical também tem altos e baixos, e assim como qualquer outra pessoa, seus integrantes também têm contas a pagar. No entanto, o ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) nem sempre os ajuda, uma vez que a cada execução de uma faixa em ambientes públicos é gerada uma quantia de R$ 10. Desses, R$ 7 vão para o autor enquanto R$ 1,50 vão para o produtor e os outros R$ 1,50 aos intérpretes.

Contudo, esse repasse pode estar prestes a mudar. Jair Bolsonaro, o atual presidente, editou, em 27 de novembro, a Medida Provisória (MP) conhecida como A Hora do Turismo. Ela põe fim à obrigatoriedade de pagamento de direitos de execução pública pelas músicas tocadas em quartos de hotéis, cabines de navios de cruzeiros, pousadas e outros estabelecimentos do gênero.

Apesar de o Congresso ter ainda 120 dias legais para examiná-la, a MP já é considerada um risco, pois de acordo com o ECAD, se for aprovada ela gerará, a mais de cem mil titulares de direitos autorais, um prejuízo de R$ 110 milhões. “Isso pode impactar drasticamente na arrecadação do artista”, teme a sócia-diretora da Apta Produtora, Priscilla Reis.

Assim como a década de 80 passou por momentos políticos delicados, os dias de hoje se encontram em igual situação de delicadeza. Contudo, diferente daquela época, na qual era possível se elencar representantes sonoros do país, hoje essa ação não se torna fácil. “Eu não sei muito bem o que é o Brasil”, desabafa o jornalista e escritor Ricardo Alexandre. “Há muitos ‘Brasils’, mas existe uma banda que representa o Brasil que eu gostaria de imaginar, que é a Baiana System. Ela tem elementos que nos fazem sonhar com um Brasil!”, opina.